GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO
Em meio à crise econômica, os vereadores de São Paulo aprovaram o aumento de seus próprios salários na tarde desta terça-feira (20). O reajuste de 26,3% para 2017 eleva os ganhos dos 55 vereadores da Casa de R$ 15.031,76 para R$ 18.991,68.
O aumento ocorre a 11 dias do fim do mandato e contraria medida do futuro prefeito, João Doria (PSDB), que vetou para o ano que vem reajuste dos salários dele, do vice-prefeito e dos secretários. O aumento só para a Câmara é automático e não depende de sanção do prefeito.
De acordo com a lei municipal, os subsídios dos vereadores só podem ser alterados ao fim de uma legislatura.
Foram menos de cinco minutos entre a colocação do projeto de reajuste na pauta de votação e a aprovação. Logo em seguida, os vereadores aprovaram o orçamento da cidade para 2017 e encerraram a sessão, dando início ao recesso parlamentar. Os vereadores voltarão para a posse no dia 1º. Em seguida, voltam ao recesso, que só acaba em fevereiro.
Foram 30 votos a favor e 11 contrários. Votam contra os vereadores Andrea Matarazzo (PSD), Aurélio Nomura (PSDB), Aurélio Miguel (PR), José Police Neto (PSD), Mário Covas Neto (PSDB), Gilberto Natalini (PV), Massataka Ota (PSB), Patrícia Bezerra (PSDB), Ricardo Nunes (PMDB), Salomão Pereira (PSDB), e Toninho Vespoli (PSOL). Outros 14 vereadores não votaram e são considerados ausentes.
DISTANCIAMENTO
"O aumento de salários em meio à crise econômica evidencia o distanciamento desta Casa com a população. Está em total desconexão com a realidade", disse Vespoli.
Um dos autores do projeto e cotado para a presidência da Casa no ano que vem, Milton Leite (DEM) disse que a alta dos salários é justa. "O aumento de 26% não é tão significativo diante de quatro anos sem aumento. É menor que a inflação acumulada, de aproximadamente 32%", disse.
Questionado sobre parlamentos de outros países em que legisladores não têm salário, Leite disse que tomá-los como exemplo seria "uma falsidade com a democracia".
"Se pensarmos nessa mudança, é necessário discutir com a sociedade que tipo de parlamento ela quer e como ela quer ser representada. Aí isso poderia mudar. Os subsídios existem em todas as esferas de Poder, não só em São Paulo", disse.
José Police Neto (PSD) votou contra, mas disse achar justo o reajuste. "Justo eu acho que é, mas não neste momento de crise econômica e previsão de corte de gastos", afirmou.
O reajuste foi articulado pela Mesa Diretora da Casa, sob o argumento de que os salários estão congelados há quatro anos. De acordo com o Legislativo, o orçamento da Câmara para o ano que vem, de R$ 620 milhões, é suficiente para pagar os novos salários. O reajuste dos 55 vereadores terá um impacto anual de R$ 2,6 milhões ao Legislativo.
CUSTOS
Além do salário, os vereadores tem direito a R$ 22 mil de verba de gabinete mensal. Os custos com salários e benefícios de 20 servidores aos quais os vereadores têm direito chegam a R$ 140 mil mensais. No entanto, o aumento aos parlamentares não altera em nada a folha salarial dos funcionários. Estes continuem tendo como teto o salário do prefeito (R$ 24,1 mil), que não sofreu alterações.
A mudança segue a Constituição Federal, mas gera polêmica em meio à crise econômica e à queda de arrecadação na cidade.
A questão começou a ser discutida na mesa diretora da Casa no fim de novembro sob o argumento de que o debate só pode ocorrer antes do início de um novo mandato. O projeto de aumento é assinado pelos vereadores Milton Leite (DEM), Adilson Amadeu (PTB) e Adolfo Quintas (PSD).
O presidente da Câmara, que votou favoravelmente à mudança, não falou com jornalistas após o fim da sessão. Durante seus dois anos de mandato, ele defendeu que a Casa reduziu os custos no biênio em que ele comandou a Câmara.
A presidência da Câmara defende que o reajuste seria abaixo da inflação a contar do último aumento para cá, que foi de aproximadamente 32%.
De acordo com a Constituição, o salário do prefeito não pode ultrapassar 90,2% dos rendimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Já o dos vereadores equivale a 75% dos ganhos de um deputado estadual, que é de R$ 25.322,25.
Mesmo com o teto de salário dos funcionários da prefeitura, há centenas de servidores –incluindo aposentados– que tem ganhos acima do que recebe o prefeito. Eles conseguiram o direito por meio de ações na Justiça. É o caso de servidores da própria Câmara e de procuradores do município.
Com patrimônio aproximado de R$ 180 milhões, Doria já anunciou que doará sua remuneração para instituições.
ORÇAMENTO
Os vereadores também aprovaram, em definitivo, o Orçamento para 2017, primeiro ano da gestão Doria. A previsão total de receita do município para o ano que vem é de R$ 54,5 milhões.
Os vereadores articularam com a equipe de Doria alterações que interferem diretamente nos redutos eleitorais de vereadores. Aumentou, por exemplo o valor previsto para emendas parlamentares (obras indicadas por vereadores) de R$ 166 milhões previstos no orçamento enviado por Haddad para R$ 231 milhões.
Além disso, orçamento das subprefeituras (que serão rebatizadas como prefeituras regionais) saltou de R$ 1,2 bilhão previstos no projeto de Haddad para R$ 1,34 bilhão.
Um projeto de ampliação de galerias de água sob o Legislativo também obrigou uma mudança no orçamento na casa de R$ 30 milhões. Esse valor foi retirado de contratos com a limpeza pública e transferido para a Câmara.
Trata-se de uma obra prevista pela Secretaria de Infraestrutura Urbana na região central, mas afetará o subterrâneo do Legislativo, que arcará com os custos de parte da obra.
Mesmo com a manutenção da tarifa de ônibus, o subsídio para as empresas de ônibus foi mantido em R$ 1,7 bilhão, sendo que a previsão é de que deva chegar aos R$ 3 bilhões. No entanto, a gestão tem autonomia para remanejar 10% do orçamento, o que permitiria o pagamento às viações.
PROTESTO
Pelo menos oito pessoas ocuparam uma antessala da presidência da Câmara. O grupo protestou contra o aumento dos vereadores e a não votação de uma série de outros projetos, entre eles os ligados à área de cultura.
"Em cinco minutos, eles votaram o aumento de salário deles e derrubaram tudo o que era de interesse da periferia e da cultura ", disse um dos ativistas, que pediu para não ser identificado.
"Se para cultura não tem dinheiro, aumento para vereador tem? Enquanto não revogarem esse aumento, não sairemos", disse o ativista cultural e designer Jesus dos Santos, 32.
Eles deixaram o local após reunião com o presidente da Casa, Antônio Donato. A manifestação foi pacífica. Os manifestantes pertencem a coletivos ligados à cultura, movimentos de periferia e estudantes secundaristas.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.