PAULO SALDAÑA – FOLHA DE S. PAULO
O plano da gestão João Doria (PSDB) de reduzir a entrega leite para alunos da rede municipal de São Paulo já assusta famílias que precisam do alimento. Especialistas, entretanto, se dividem sobre a pertinência da política.
Como a Folha revelou em janeiro, Doria quer limitar o acesso ao Leve Leite, criado em 1995. Hoje, todos os alunos de 0 a 14 anos têm direito ao benefício. A ideia mais forte, até agora, é restringir o benefício somente para crianças de até 6 anos.
No ano passado, 921 mil alunos receberam o leite, ao custo de R$ 310 milhões. A estimativa é que este ano o custo seja de R$ 330 milhões.
O principal motivo para o corte é financeiro. A prefeitura enfrenta restrições orçamentárias, agravadas com a decisão de congelar a tarifa de ônibus em R$ 3,80 neste ano –o que ampliará os repasses da prefeitura às viações a mais de R$ 3 bilhões.
A prefeitura estuda enxugar gastos que consomem em torno de R$ 1,1 bilhão do orçamento da Educação –de um total de R$ 10,9 bilhões. Envolvem por exemplo, material escolar, uniforme e transporte. Só a folha de pagamento consome cerca de R$ 6,5 bilhões.
Desempregada, Danuzia Costa, 37, não se vê sem esse leite. A filha, de 2 anos e 8 meses, estuda em uma creche da zona sul. "Tem tanta coisa para cortar, vão tirar logo o leite das crianças"? A comerciante Monica Candido, 35, conta que costuma usar o produto para fazer vitaminas, pão e bolo para a filha de 2 anos. "É a base da alimentação, não tem sentido cortar."
O médico nutrólogo Edson Credidio defende que o leite é imprescindível para as crianças, sobretudo até 5 anos. "O leite possui o melhor cálcio disponível, proteína e uma série de vitaminas", diz ele, autor do livro "Leite, o Elixir da Vida". "Podem economizar agora, mas vão gastar mais tarde", completa, citando doenças em decorrência da falta de cálcio, como osteoporose.
Professora de Enfermagem da Unifesp, Kelly Coca tem ressalvas sobre a distribuição para crianças de até 2 anos. "É um programa que vai contra o principal, que é incentivar a amamentação. Para os mais velhos, talvez investir em uma merenda balanceada e nutritiva seja mais efetivo", diz a professora.
O médico Carlos Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, ressalta que é importante a prefeitura ter em mãos estudos sobre o impacto do programa. Tanto do ponto de vista nutricional quanto de uma política de transferência de renda.
"O leite tem nutrientes importantes, mas não há necessidade rigorosa de leite após dois anos. E, até dois anos, o recomendável é o aleitamento materno", explica.
Monteiro lembra que, após os cinco anos, a necessidade depende do restante da alimentação. "Não faz sentido um programa universal, mas não sou a favor de reduzir orçamento social. Poderiam rever para atingir de melhor forma quem mais precisa."
A gestão municipal não forneceu estudos sobre o impacto do programa. Priorizar famílias pobres também está em análise. Hoje, além de todos os alunos receberem, não é possível abrir mão do leite, caso a família não tenha necessidade. Muitos vendem o produto na internet, por valores entre R$ 11 a R$ 15.
Prós e contras do Leve Leite
PRÓS
– Transfere renda para as famílias, possibilitando que o dinheiro econo-mizado com o leite seja usado em outras necessidades
– Leite é rico em cálcio e outros nutrientes impor-tantes, sobretudo para crianças de até 5 anos
– Incentiva a ida às aulas, uma vez que a alta frequência escolar é o critério para a entrega
CONTRAS
– O custo do programa, que atende crianças de 0 a 14 anos, é alto
– Não há critério de renda e idade para conseguir o benefício
– Regra atual não permite que famílias abram mão do recebimento do leite; muitas acabam vendendo o produto
– Parte dos médicos não vê o leite como alimento imprescindível a partir dos 6 anos
2 kg de leite são entregues a cada criança por mês
921 mil alunos receberam o benefício no ano passado
R$ 310 mi foram gastos com o Leve Leite em 2016; a previsão para 2017 é de R$ 331 mi, se mantidas as regras atuais
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.