FABRÍCIO LOBEL – FOLHA DE S. PAULO
Maior reservatório de água da Grande SP, o sistema Cantareira atingiu uma marca simbólica com a ajuda das intensas chuvas de janeiro: as represas do manancial têm agora volume semelhante ao do período que antecedeu a grave crise que atingiu o Estado nos anos de 2014 e 2015.
Na manhã desta terça (31), o sistema operava com 69,1% de sua capacidade, o que representa 878 bilhões de litros e inclui tanto o volume disponível neste momento para captação como também as duas cotas de reserva conhecidas como volume morto.
A última vez que o Cantareira teve tanta água estocada foi em maio de 2013, ano que é considerado chave para o início da crise da água. Em 2013, o principal reservatório de São Paulo começou o ano com 60,4% de sua capacidade e o terminou com somente 43,8% –esse índice, na ocasião, era o pior fechamento de ano em uma década.
A partir disso, em meio a uma forte estiagem, o Estado mergulhou em uma crise de abastecimento que afetou a rotina de milhões de moradores, em especial aqueles da região metropolitana de SP.
CRONOLOGIA
Jan.2014 Início da crise
Fev.2014 Início dos descontos para quem diminuísse o consumo de água
Dez.2014 Início das sobretaxas para quem aumentasse o consumo
Jan.2015 Auge da crise
Mar.2016 Alckmin diz que crise acabou, mas alguns moradores ainda reclamam de racionamento
Mai.2016 Políticas de bônus e sobretaxa são extintas, e consumo cresce
Em 2014, por exemplo, o Cantareira só piorou, e seu nível foi baixando rapidamente. Logo no primeiro semestre, o paulistano passou a ser vítima de duros racionamentos (com a entrega controlada de água), com milhares de pessoas de todas as regiões da cidade sem fornecimento de água durante a noite.
Os casos mais graves ocorriam em bairros mais altos e periféricos, o que impactava fortemente a população mais pobre. Em alguns casos, áreas na periferia passavam até 20 horas sem abastecimento.
Enquanto minimizava o tamanho e os efeitos da crise, o governo Geraldo Alckmin (PSDB), que estava em campanha pela reeleição, ampliou a rede de distribuição. Assim, com uma série de obras, bairros que antes eram atendidos apenas pelo Cantareira passaram a receber água de outros mananciais, dando maior alívio ao sistema.
"Isso foi crucial para a melhora do Cantareira. Como o risco de seca é variável entre diferentes reservatórios, você aproveita melhor a disponibilidade hídrica e faz uma gestão mais eficiente dos recursos", analisa Carlos Tucci, professor da UFRGS e consultor em hidrologia pela Rhama.
Com essas estratégias, a Sabesp, empresa de águas do Estado, teve então de aguardar a melhora das chuvas, o que só veio em fevereiro de 2015, quando o governo já cogitava um rodízio (corte de água).
"Ali percebemos que a situação hidrológica estava diferente da que havíamos enfrentado dentro da crise. A partir desse momento [março de 2015], você tem meses com boa chuva e meses com chuva não tão boa. Mas, na média, estamos no positivo", disse o superintendente da Sabesp para a região metropolitana da capital, Marco Antonio Lopes Barros.
Em janeiro deste ano, por exemplo, as chuvas sobre o Cantareira ficaram 50% acima da média. Com isso, o reservatório teve o maior volume acumulado para um mês de janeiro desde 2012.
NOVO PADRÃO
No auge da crise, outra aposta da Sabesp foi a adoção de incentivos econômicos para tentar frear o consumo da população. Quem reduzisse o consumo mensal ganhava bônus. Já quem aumentasse o gasto de água recebia uma sobretaxa na conta de água.
Para o superintendente da Sabesp, os incentivos ajudaram a criar uma consciência de consumo que perdura até hoje. "Criou-se um novo padrão de consumo na cidade. Muito tem a ver com a memória da crise, as pessoas adquiriram novos hábitos. Por outro lado, há também uma retração no consumo causado pela crise econômica no país."
Para se ter uma ideia, antes a Sabesp retirava cerca de 71 mil litros de água por segundo das represas da Grande SP. Atualmente, esse volume é de 61 mil litros por segundo. No Cantareira, antes da crise, se retiravam 32 mil litros por segundo –atualmente são cerca de 25 mil litros.
"Resta saber se o Estado de São Paulo continuará incentivando a conservação e o uso racional de água. Afinal, para a Sabesp, que visa a venda de água e o lucro, esse incentivo não interessa", analisa Tucci.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
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