RODRIGO RUSSO – FOLHA DE S. PAULO
Enfrentando grave crise orçamentária, o Metrô, companhia pública ligada ao governo Geraldo Alckmin (PSDB), registrou uma queda significativa de investimentos em operação e modernização.
Levantamento baseado em informações orçamentárias da própria empresa mostra redução de quase 60% em gastos com a manutenção de linhas, trens e estações nos últimos dois anos.
Em 2014, o Metrô desembolsou R$ 409 milhões na recapacitação e modernização das quatro linhas que opera diretamente (1-azul, 2-verde, 3-vermelha e 5-lilás), valor que caiu para R$ 206 milhões no ano seguinte e se limitou a R$ 168 milhões em 2016.
Os efeitos práticos dos cortes são os riscos maiores de problemas no transporte de 4 milhões de passageiros -que, nesta semana, enfrentaram transtornos nas quatro linhas a cargo da companhia.
Na terça (7), um descarrilamento interrompeu a circulação de trens entre as estações Artur Alvim e Corinthians-Itaquera, na linha 3-vermelha, a mais lotada da rede. Ao
sair do trilho, um vagão atingiu e destruiu as grades de uma passarela de proteção.
Uma mulher ficou ferida levemente no pulso, e passageiros relataram esperas de mais de uma hora para conseguir embarcar em ônibus.
Os dados de execução orçamentária mostram o tamanho do corte de gastos na linha do Metrô onde houve esse episódio. Se em 2014 a 3-vermelha recebeu, sozinha, aporte de R$ 227 milhões para recapacitação, em 2015 foram R$ 77 milhões e, no ano passado, só R$ 64 milhões.
A gestão Alckmin afirma seguir um cronograma de gastos.
No ramal 2-verde, os gastos com a rubrica foram de R$ 41 milhões em 2014 para R$ 18 milhões no ano seguinte e R$ 9 milhões em 2016.
Nessa linha, nesta quinta-feira (9), a quebra de um carro de manutenção durante a madrugada, entre as estações Consolação e Ana Rosa, fez com que as composições transitassem por uma única via no início do dia, elevando os intervalos de parada.
A linha 5-lilás teve a maior queda de investimentos, que minguaram de R$ 6 milhões para R$ 1,3 milhão em 2015 e R$ 844 mil no ano passado, perda de 86% em dois anos.
Nessa linha, mesmo sem pane, o Metrô restringiu o acesso à estação Capão Redondo nesta quinta sob a justificativa de haver "fluxo muito forte de usuários", provocando demora no embarque.
A linha 1-azul também teve transtornos: um problema operacional reduziu a velocidade dos trens na terça de manhã. Foi reparado após 20 minutos, mas a completa normalização demorou mais. Na quarta (8), um cachorro foi parar nos trilhos, restringindo a velocidade na hora de pico e provocando filas.
TARIFA
Também foi significativa a queda de gastos do Metrô no quesito operação, que inclui recursos para manutenção e administração de todas as linhas. De R$ 110 milhões em 2014, o valor baixou para R$ 56 milhões no ano seguinte e R$ 47 milhões em 2016.
Apesar de ser uma empresa que se sustenta sem subsídios do Estado (com exceção do reembolso que o governo dá à companhia em razão dos passageiros que recebem gratuidades), o Metrô deve continuar a sofrer neste ano.
Isso porque cabe ao governo do Estado, em decisão política, definir o preço das tarifas, que são a principal fonte de receita da companhia.
Para 2017, a gestão Alckmin optou por manter os bilhetes unitários em R$ 3,80, na contramão de recomendações feitas pela direção financeira do próprio Metrô.
Para Alex Fernandes, do sindicato dos metroviários, "a falta de investimentos precariza o serviço". "Faltam peças, faltam funcionários, e a consequência está aí."
No ano passado, quando a companhia sofreu um calote de R$ 66 milhões da gestão Alckmin, a Folha revelou que cinco trens foram retirados de operação para que servissem de estoque de peças de reposição para outros.
MENOS GASTO
O Metrô paulista afirma que os valores investidos em operação e modernização "respeitam uma dotação orçamentária do Estado e seguem um planejamento anual", podendo ser maiores ou menores em certos períodos.
"Com a melhoria do sistema e aquisição/implantação de novos equipamentos, a necessidade de investimentos nestas áreas é cada vez menor. Não faz sentido achar que a cada ano o investimento deverá ser maior, sem entender o cronograma de implantações e de investimentos", diz a companhia, para quem "a reportagem parte de um pressuposto equivocado".
Ainda de acordo com a empresa, os gastos com "operação" e "recapacitação e modernização das linhas" incluem "investimentos como aquisição de novos trens e modernização, sendo que a maior parte desse planejamento já foi cumprido".
A companhia cita o recebimento de 82 composições modernizadas, de um total de 98. "Foram feitos quatro contratos, sendo que um já foi concluído com a entrega de todos os trens que estão sendo utilizados na linha 3-vermelha".
Para o engenheiro Peter Alouche, especialista em trilhos e com passagem pelo Metrô, "incidentes de descarrilamento, como o que aconteceu esta semana, são mínimos no sistema, que continua a ser um dos mais eficientes do mundo". "O problema é a falta de rede, que amplifica a gravidade das falhas."
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.