Por Rogério Gentille e Eduardo Scolese
O plano de desestatização do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), prevê que o dinheiro arrecadado deverá obrigatoriamente ser utilizado em novas obras.
De acordo com o projeto, a ser enviado em março para a Câmara Municipal, os recursos obtidos com as concessões e privatizações não serão alocados no caixa comum da prefeitura para evitar que sejam utilizados no custeio da máquina –como salários, aquisição de bens de consumo e manutenção de equipamentos públicos.
O dinheiro irá para um fundo de investimentos, a ser instituído com o objetivo de viabilizar projetos nas cinco áreas consideradas pelo prefeito como estratégicas: saúde, educação, mobilidade urbana, moradia e segurança.
Doria quer, com isso, ao final do processo, poder dizer exatamente o que foi feito com a verba arrecadada. Algo na linha "tínhamos um estádio do Pacaembu, agora temos X creches e X hospitais".
Autorização genérica
O plano de desestatização do prefeito listou 55 tópicos, entre os quais o autódromo de Interlagos, o estádio do Pacaembu e o Anhembi, mas é improvável que todos estejam descritos no texto a ser enviado à Câmara em março.
A equipe de Doria estuda a possibilidade de mandar um documento que cite três ou quatro projetos, mas contenha uma autorização genérica para outras privatizações, que poderiam ser feitas posteriormente a partir de um simples decreto do prefeito.
Consultado pela Folha, o advogado Luiz Eduardo Serra Netto, especialista em direito administrativo, considera essa hipótese irregular. "O decreto não pode inovar, mas apenas detalhar uma lei."
Segundo o advogado, cada ativo a ser desestatizado precisa de uma autorização específica da Câmara, ainda que por meio de um único projeto de lei. "Mas o bem precisa estar citado nominalmente", afirma Netto.
O advogado Igor Tamasauskas discorda. "Nada impede a Câmara de autorizar o plano genericamente, cabendo ao prefeito explicitar em decreto os bens. É assim no plano federal", afirma.
A outra hipótese considerada pela gestão Doria é enviar os pedidos por meio de vários projetos, em lotes com quatro ou cinco ativos, conforme a necessidade.
Destes 55 tópicos listados pela prefeitura como "desestatizáveis", há 12 considerados prioritários em razão do interesse que desperta no mercado e do bom potencial financeiro para a prefeitura. Três são chamados internamente de "joias da coroa": o Bilhete Único, os terminais de ônibus e o serviço funerário.
Ao repassar a gestão do Bilhete Único para a iniciativa privada, a prefeitura avalia que conseguirá economizar R$ 456 milhões no gerenciamento anual do serviço.
A expectativa é a de que bancos ou empresas do mercado financeiro passem a administrar o bilhete, dando-lhe outras funções, como cartão de débito e vale-refeição.
O cartão magnético dos transportes é usado atualmente por 5,6 milhões de passageiros, mas há 15 milhões de bilhetes em circulação. Ou seja, trata-se de uma base enorme de clientes, sendo que muitos deles não estão hoje no sistema bancário.
Doria ainda pretende repassar para a iniciativa privada a gestão dos 29 terminais urbanos da cidade –neste caso, há lei aprovada, de 2015.
As empresas interessadas poderão aumentar a área de construção de cada um deles em até quatro vezes, sendo que os novos pisos passariam a ser explorados como shoppings, escritórios comerciais, hotéis e residências.
O serviço funerário também é considerado um ativo da prefeitura. São 22 cemitérios, um crematório, 18 lojas (venda de caixões) e cinco centros distributivos.
Em São Paulo, há cerca de 400 óbitos por dia, sendo que, em média, 180 funerais acabam realizados em outras cidades em razão de deficiências do serviço estatal.
"São Paulo vai deixar de gastar dinheiro com o que pode ser feito pela iniciativa privada e se dedicar a tarefas mais importantes, como a saúde e a educação", defende o vereador Police Neto (PSD).
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo