ROGÉRIO GENTILE – FOLHA DE S. PAULO
Uma dívida de cerca de R$ 18 bilhões, que deve ser paga até 2020, pressiona a gestão do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), e coloca em dúvida a capacidade da administração de fazer grandes investimentos na cidade.
Para efeito de comparação, o valor da dívida equivale a 2,6 vezes o que o prefeito espera arrecadar com a privatização do estádio do Pacaembu e do Anhembi, juntos (cerca de R$ 7 bilhões), uma das bandeiras do tucano. Ele é também três vezes todo o dinheiro que o Orçamento municipal de 2017 prevê para investimentos (obras novas, R$ 6,1 bilhão).
"É uma bomba de curto-prazo", afirma o secretário da Fazenda de Doria, Caio Megale, que hoje já administra um cofre em conjuntura de restrição orçamentária, com queda de arrecadação e congelamento de gastos. Estas dívidas, chamadas de precatórios, são pagamentos que o município precisa fazer para atender a ordens judiciais em decorrência de situações como desapropriações, pensões, indenizações por morte, entre outras.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal definiu que o poder público precisa quitar até 2020 todas as dívidas já reconhecidas pela Justiça. No ano passado, para ajudar prefeituras e Estados a quitarem essas dívidas, foi aprovada no Congresso a emenda constitucional número 94, que os autorizou a utilizar depósitos judiciais no pagamento dos precatórios.
Depósitos judiciais são valores disputados em ações na Justiça que ficam guardados em bancos até que uma das partes vença o processo e retire o dinheiro. A emenda constitucional permite que o poder público use até 75% do montante dos depósitos judiciais referentes a processos do qual é parte –e até 20% dos que não é. O problema é que a gestão Doria descobriu que terá o direito de utilizar apenas R$ 1 bilhão, valor pequeno se comparado com a dívida de cerca de R$ 18 bilhões.
Atualmente, a prefeitura paga cerca de R$ 1,7 bilhão por ano com precatórios. Para cumprir a decisão do STF, terá de aumentar esse valor para cerca de R$ 5 bilhões por ano, considerando também os novos precatórios que deverão ser constituídos até o prazo final de 2020.
Ou seja, cerca de 10% do Orçamento terá de ser destinado ao pagamento. "O que pressionará não apenas os investimentos, mas também os serviços essenciais", afirma o subsecretário do Tesouro, Luis Felipe Arellano.
NEGOCIAÇÃO
A prefeitura trabalha em duas frentes para tentar resolver o problema.
Em primeiro lugar, apoia no Congresso Nacional a tramitação de uma nova proposta de emenda constitucional, apresentada pelo senador José Serra (PSDB), que adia o prazo de quitação de 2020
para 2025. A aprovação, no entanto, é considerada difícil por aliados de Doria.
Além disso, a gestão municipal tem procurado bancos a fim de obter empréstimos para fazer o pagamento dos precatórios no período estabelecido pelo Supremo. O problema é que os bancos, segundo a prefeitura, alegam que não podem conceder o empréstimo porque a resolução 2.827 do Conselho Monetário Nacional estabeleceu limites rígidos de percentual de crédito disponível para entes públicos.
Técnicos da prefeitura tentam convencer o conselho a alterar essa resolução. Mas, por ora, não houve avanços.
ÔNIBUS
O crescimento exponencial do subsídio à tarifa de ônibus é outro fator que preocupa a prefeitura paulistana. Subsídio é o valor que sai dos cofres do município para completar a remuneração das empresas, uma vez que o valor arrecadado com a passagem paga pelos usuários é inferior aos custos reais do sistema de transporte.
Se a tendência de alta não for contida, a prefeitura deve terminar o ano pagando R$ 3,2 bilhões em subsídios, mais de metade do gasto previsto com obras novas em todas as áreas (R$ 6,1 bilhão). Vários fatores levaram a situação a esse ponto.
Em 2006, no início da gestão Gilberto Kassab (hoje no PSD), a cidade de São Paulo gastou cerca de R$ 550,6 milhões (valor corrigido pela inflação) com o subsídio à tarifa de ônibus. Kassab manteve o preço da passagem congelada por três anos, e o subsídio subiu para perto de R$ 1,3 bilhão no final de seu mandato.
No último ano da gestão Fernando Haddad (PT), a conta chegou a R$ 2,5 bilhões –após a ampliação de gratuidades para estudantes e idosos e também do congelamento da tarifa após os protestos de junho de 2013.
O ex-prefeito deixou outros R$ 500 milhões para serem pagos pela gestão Doria –que, por sua vez, prometeu o congelamento da tarifa unitária de ônibus em R$ 3,80 em 2017, agravando o deficit do sistema.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.