ARTUR RODRIGUES, GIBA BERGAMIM JR. E LEANDRO MACHADO – FOLHA DE S. PAULO
Mato alto em praças, lixo e entulho nas ruas, buracos no asfalto, falta de iluminação.
O combate a problemas de zeladoria desse tipo foi elencado pelo prefeito João Doria (PSDB) como uma das marcas do início de mandato.
Num teste feito pela Folha, porém, a gestão tucana ignorou 3 em 4 reclamações feitas neste ano –descumprindo os prazos fixados pela própria Prefeitura de São Paulo.
A reportagem percorreu as cinco regiões da capital paulista e, entre os dias 3 e 7 de fevereiro, apresentou queixas à administração municipal sobre 30 falhas de zeladoria –por meio do serviço 156, criado para que a população faça solicitações e sugestões.
Ao voltar às ruas na última semana para conferir os resultados, somente 7 dos 30 pedidos haviam sido atendidos dentro do tempo máximo estipulado pela gestão Doria.
A maioria das solicitações permanece completamente ignorada: os pedidos continuam "em aberto" ou "aguardando resposta" no serviço.
Crítico da herança deixada pela gestão Fernando Haddad (PT), Doria se vestiu de gari logo no segundo dia do ano e criou um programa de zeladoria batizado de Cidade Linda, com mutirões semanais de manutenção nos bairros.
O tucano chegou a dizer em dezembro que a cidade era um "lixo vivo" –ao criticar a zeladoria na administração petista. Na apresentação dos novos prefeitos regionais, a gestão prometia mudanças.
"Eles terão metas a serem cumpridas. Serão cobrados. Uma das grandes cobranças aos subprefeitos é zeladoria, cuidar da cidade", disse na ocasião Bruno Covas (PSDB), hoje vice-prefeito e secretário das Prefeituras Regionais.
Questionada por ter descumprido prazos para atender à maioria das queixas, a gestão Doria culpa pendências acumuladas pela gestão anterior.
ABANDONO
Em 6 de fevereiro, a Folha registrou reclamação de mato alto perto da pista de corrida no parque do Carmo, na zona leste. O prazo para a solução era de 30 dias, mas, 40 dias depois, a situação só havia piorado. O site do 156 informava que a solicitação de capinação estava "aberta".
"Faz muito tempo que não cortam, está bem abandonado", afirma Rodrigo Tadeu Juliani, 32, motorista que se exercita no parque.
Na rua Silva Bueno, no Ipiranga (zona sul), 45 dias após a prefeitura ter sido avisada sobre três buracos, eles permaneciam na via e outros haviam aparecido no intervalo.
A cena se repete na zona norte. No Limão, um pedido para tapa-buraco feito no dia 6 do mês passado não surtiu efeito. No último dia 23, os buracos persistiam por ali.
Até no coração da cidade os cuidados com a zeladoria deixam a desejar, como nas praças da Sé e João Mendes, com vegetação bastante alta em canteiros desde fevereiro.
Para 4 dos 30 problemas apontados, a informação do serviço 156 era que eles estavam resolvidos, mas, em visita aos locais, a Folha constatou que continuavam.
Na av. Azevedo, no Tatuapé (leste), duas lâmpadas estavam apagadas no dia 7 de fevereiro. Segundo a prefeitura, a falha foi resolvida três dias depois –dentro do prazo.
Após 40 dias, as mesmas lâmpadas continuavam inoperantes. "Faz dois meses que está assim, nunca arrumaram. Fica escuridão, e deixa a gente com medo de roubos", diz Gustavo Sanchez, 23, dono de uma loja em frente a um dos postes apagados.
Além de receber queixas por telefone, o serviço 156 passou a aceitar reclamações on-line e via aplicativo de celular no final do ano passado.
Uma empresa terceirizada encaminha as solicitações para órgãos da prefeitura.
Além dos 30 pedidos com prazo expirado, a reportagem fez 14 solicitações ainda não atendidas. Nesses casos, há limite de 120 dias, não esgotado, pela natureza do serviço (faixa de pedestre apagada e boca-de-lobo sem tampa).
Nos últimos anos, a atuação da central 156 foi cercada por denúncias de irregularidades e gastos milionários de serviços não realizados, segundo investigações da CGM (Controladoria Geral do Município) e do TCM (Tribunal de Contas do Município).
No Orçamento de 2017, estão previstos gastos de R$ 77,5 milhões na manutenção e modernização do serviço.
ANTECESSOR
A gestão João Doria (PSDB) coloca no antecessor, Fernando Haddad (PT), a culpa pelo não atendimento de reclamações neste começo de ano.
Afirma que assumiu com uma "demanda represada" de 589.026 solicitações pelo serviço 156 e aplicativo –que não haviam sido atendidas.
Desse universo, 457.864 se referem às 32 prefeituras regionais (zeladoria), 46.628 são relativos ao trânsito e 84.534, a outros órgãos públicos.
"Lamentavelmente, o governo herdou, junto com essas demandas, buracos orçamentários de R$ 7,5 bilhões que inviabilizam, dentre outros serviços, o atendimento aos pedidos do 156 na velocidade adequada", diz a prefeitura, que afirma ser preciso atender 6.544 pedidos por dia.
Doria afirma que aumentou as equipes para operação tapa-buraco de 32 para 75, além de aprimorar o programa "Adote uma Praça", que permite que pessoas físicas ou empresas conservem áreas verdes, além de realizar os programas Cidade Linda e Mutirão Calçada Nova.
Em relação aos pedidos sobre descarte de entulho, a administração tucana afirma se tratar de "pontos viciados", onde os serviços são executados, mas posteriormente ocorre novo descarte.
A prefeitura diz ainda que multou uma das empresas responsáveis pela iluminação pública, após um fiscal constatar um problema de falta de luz que a companhia havia negado existir. Também diz que averigua eventual falha dos prestadores que dizem ter feito outros serviços.
Por meio de sua assessoria, Haddad diz ter deixado R$ 5,5 bilhões em caixa para que Doria resolvesse os problemas.
"Culpar a gestão anterior é um clássico, sobretudo quando você não tem o que dizer", afirma em nota. "Doria tem repetido que ao gestor não cumpre apenas relatar o que está errado, mas sim corrigir. Parece que a gestão dele não entendeu a filosofia."
PEDESTRE
Tapar um buraco no asfalto: 45 dias. Pintar faixa de pedestre apagada: 60 dias. Avaliar se uma árvore corre risco de cair, conserto de calçada e limpeza de córrego: 120 dias.
Esses são alguns dos prazos estipulados pela prefeitura para cumprir serviços simples de zeladoria na cidade.
O consultor em mobilidade Horácio Figueira, mestre em engenharia pela USP, observa que a prioridade oficial deixa pedestres em segundo plano.
Tanto que arrumar uma calçada tem um prazo quase três vezes maior do que na rua. "Se eu tenho equipamento para tapar buraco na rua, eu teria que fazer a mesma coisa em calçada", afirma.
No início de fevereiro, a Folha avisou a prefeitura sobre uma faixa de pedestres da av. Liberdade, no centro, completamente apagada, prejudicando a travessia. Na semana passada, continuava igual.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.