Administração de João Doria (PSDB) quer remover cooperativas da região do Glicério, no centro da cidade; mobilização de catadores fortalece luta pelo direito à cidade
Por Beatriz Drague Ramos, da Carta Capital
Recolhedores de materiais recicláveis da região do Glicério, no centro de São Paulo, estão ameaçados de despejo pela prefeitura. No fim de março, as cooperativas de reciclagem foram autuadas por “invasão de área pública” e receberam uma ordem de desocupação das áreas localizadas embaixo do viaduto da Avenida do Estado.
Em reunião na manhã de terça-feira 11, na Prefeitura Regional da Sé, com a presença da Secretaria de Direitos Humanos e das cooperativas de catadores, os funcionários públicos mostraram-se irredutíveis na mudança de localidade das cooperativas e estipularam um período de dois meses para que os catadores encontrem outro lugar para se instalar.
Davi Amorin, assessor de imprensa do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, afirmou que a maior dificuldade na mudança de localidade é conseguir a mesma infraestrutura adequada, posto que os catadores trabalham com carroças a pé e necessitam de um lugar próximo ao centro da cidade.
A maior parte da infraestrutura é de edificação, com sanitários, vestiários e salas de escritório. O movimento reivindica prédios e áreas ociosas na Avenida do Estado. Amorin ressalta que “existe um projeto da prefeitura de remoção dos trabalhadores desses locais”.
No domingo 9, a Guarda Civil Metropolitana apreendeu uma carroça de uma catadora, na Vila Nova Conceição, durante operação da campanha Cidade Linda. O movimento afirma que a ação foi ilegal, uma vez que o decreto Nº 57.581/17 proíbe o confisco de instrumentos de trabalho, permitindo apenas o recolhimento de pertences “não pessoais” de moradores de rua.
As cooperativas de catadores argumentam que o uso da área no Glicério foi autorizado pela prefeitura em 2006, na gestão de Gilberto Kassab, sob o decreto Nº 48.378, como parte de uma Política Pública Municipal de Inclusão Social de catadores de materiais recicláveis da região da Baixada do Glicério. A prefeitura sustenta que não encontrou documentos que atestem a cessão da área por gestões anteriores.
A prefeitura afirma que existe risco de incêndio no local e diz que “os cooperadores estão tentando encontrar, conjuntamente, novos locais para que a Cooper Glicério e Nova Glicério sejam acomodadas, sem prejuízo aos trabalhadores que delas vivem”.
Inclusão dos Catadores no Plano de Metas
Atualmente, cerca de 20 mil catadores e catadoras são responsáveis por diminuir a quantidade de materiais recicláveis gerados em São Paulo e enviados todos os dias a terrenos baldios, lixões clandestinos, aterros sanitários, rios e córregos.
A ação da prefeitura contra os catadores chama atenção diante das propostas pouco ambiciosas feitas pela gestão Doria em seu Plano de Metas no tocante ao manejo de resíduos sólidos.
O projeto de Doria fala em “reduzir em 100 mil toneladas/ano os rejeitos de resíduos enviados a aterros municipais até o ano de 2020, em relação à média 2013-2016”. A ideia é atingir 5% de reciclagem em São Paulo, metade da meta da gestão anterior, de Fernando Haddad (PT).
De acordo com o relatório Metas de SP Revisão, apresentado pela ONGs Cidade dos Sonhos, Minha Sampa e Rede Nossa São Paulo, os números apresentados por Doria não têm o alcance necessário para recuperar o lixo reciclável da cidade. O impacto da meta seria apenas de 1,8% no total de lixo da cidade – comparando com o ano de 2016 – e isso somente em 2020.
O estudo também aponta a ausência de linhas de ação e projetos que façam referência ao Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Para as organizações, há erros conceituais no plano e falta um compromisso com metas quantitativas mensuráveis ou a definição de indicadores das ações para se se atingir a meta apresentada.
Os 20 mil catadores de resíduos recicláveis informais em São Paulo não são citados em nenhuma medida do plano.
Para Davi Amorin, do movimento dos Catadores, a meta de Doria de diminuição do volume de resíduos que chegam aos aterros sanitários é genérica. “Enquanto a categoria é excluída e impedida de trabalhar, a prefeitura é obrigada a arcar com os custos dos resíduos não recolhidos tanto com o transporte como para a destinação em aterro sanitário”, afirma.
“Se, pelo contrário, a prefeitura aumentasse a capacidade produtiva dos catadores com melhores galpões, caminhões e equipamentos adequados facilmente atingiria a meta proposta, de reciclar cerca de 5% total dos resíduos” afirma.
Para Amorin, foi justamente a falta de infraestrutura que impediu a gestão Haddad de alcançar os 10% prometidos. “A meta de 10% não foi atingida justamente porque [a prefeitura] não investiu em infraestrutura para os catadores, preferindo apostar em equipamentos estrangeiros para Centrais de Triagem Mecanizadas que não cumpriram o volume de processamento que prometiam”, afirmou.
Como forma de obter maior inclusão e direitos na cidade de São Paulo, a categoria busca estabelecer uma meta para obter reconhecimento, diz o catador Cleiton Emboguava. A ideia, afirma ele, é ter valorização, condições dignas e eficientes de trabalho, assim como uma remuneração adequada. “Não queremos comprar brigas, queremos uma participação maior no Plano de Metas, nessa parte dos resíduos sólidos”, disse.
Matéria publicada na revista Carta Capital.
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