ALENCAR IZIDORO – FOLHA DE S. PAULO
A cena até parece paulistana. Uma pista elevada de 6 km de extensão, que terminou de ser construída em 1977, numa região que recebe 170 mil veículos por dia e enfrenta questionamentos devido à degradação do entorno e à necessidade de reforma.
O debate público pega fogo: de um lado, ativistas da demolição querem que o viaduto dê lugar a um parque. De outro, defensores da melhoria da pista preveem caos no trânsito se ela sumir do mapa.
A proximidade com a atual discussão do futuro do Minhocão de São Paulo, por onde passam 70 mil veículos por dia, acaba por aí.
Em Seul, a demolição total do elevado já completa 12 anos, e as margens do rio que passava debaixo dele foram revitalizadas, tornando-se um atrativo parque linear ao redor da água despoluída.
Essa experiência urbanística foi apresentada nesta quinta (13) na capital coreana ao prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) -que tentou aprender a pronúncia do nome do rio Cheonggyecheon.
A transformação do rio Cheonggyecheon, equivalente à versão de um Tamanduateí em Seul, virou referência internacional, a ponto de ter sido motivo de inspiração também para técnicos das gestões Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad (PT).
A aplicação do modelo na capital paulista, porém, esbarra em entraves tanto financeiros quanto políticos.
Desde a campanha eleitoral, Doria disse que era contra a demolição do elevado, rebatizado como João Goulart. Nas últimas semanas, a Prefeitura Regional da Sé passou a estudar inclusive maior restrição de acesso a pedestres no Minhocão paulistano.
Após a visita à área em Seul, Doria repetiu que, "neste momento", a decisão da prefeitura é pela não demolição do Minhocão paulistano. Por outro lado, planeja uma revitalização do elevado, ampliando a área verde, ainda em 2017.
"Hoje a demolição seria uma atitude sem respaldo de investimento. São circunstâncias distintas. É preciso guardar as proporções e os tamanhos dos problemas", disse Doria.
O prefeito exaltou, porém, a limpeza do rio coreano como um exemplo a ser seguido para o Tietê e o Pinheiros. "É um tema para uma boa conversa com o governador Geraldo Alckmin."
VERDE E PEIXES
O espaço transformado em Seul hoje é muito frequentado tanto por turistas como por moradores, que fazem caminhadas diárias. Em horário próximo ao almoço, trabalhadores aproveitam a área verde para descansar. No estreito espaço de rio com água transparente, muitos peixes.
A estimativa do governo local é a de que 60 mil pessoas passeiam ou praticam esporte às margens do Cheonggyecheon diariamente.
A revitalização conhecida por Doria na capital coreana foi precedida de debate eleitoral. A decisão foi tomada em 2003, e as obras duraram dois anos e três meses, ao custo acima de U$ 250 milhões, com participação pública e privada.
Foi acompanhada da reforma do serviço de ônibus da cidade e, com isso, não houve caos no trânsito, apenas redução de viagens de carro ao centro. "O modelo está consolidado, todos sabem que ficou muito melhor", diz Mina Park, curadora de um museu que conta a história do Cheonggyecheon.
"O trânsito se adaptou à nova realidade, e não houve grandes transtornos", afirma Joonho Ko, doutor em sistemas de transporte e diretor do setor de pesquisas do Instituto Seul. Não é à toa que a medida virou moda: acabou sendo replicada em outros lugares, levando à demolição de outras 16 pistas elevadas.
Isso não significa que não haja questionamentos. Os principais críticos contestam a revitalização pela metade do Cheonggyecheon, sob a justificativa de que não cuidou da herança cultural de imóveis no entorno. Outros reclamam do modelo artificial de bombeamento da água para lá.
O Plano Diretor de São Paulo chegou a prever em suas diretrizes a criação de uma lei para a desativação ou transformação do Minhocão em um parque. Pesquisa Datafolha de 2014 apontou que 53% dos paulistanos consideravam que a via tinha que permanecer igual, voltada para carros; 23% defendiam sua transformação em parque; e só 7% eram a favor da demolição.
A ida de Doria a Seul é a segunda missão internacional do tucano. Nesta quinta (13), o prefeito disse ter fechado um acordo com empresas coreanas para a revitalização do bairro do Bom Retiro, no centro, tradicional reduto de imigrantes da Coreia do Sul. Segundo Doria, depois da reforma, o bairro passará a se chamar Bom Retiro Little Seul.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.