ALENCAR IZIDORO, ENVIADO ESPECIAL A SEUL – FOLHA DE S. PAULO
Imagine uma metrópole emergente que, diferentemente de cidades da Europa e dos EUA, demorou para começar a construir sua rede de metrô e inaugurou a primeira linha só em 1974.
Com mais de 10 milhões de habitantes na capital e de 20 milhões na região metropolitana, enfrentou nas últimas quatro décadas períodos de boom e de derrocada econômica, além de eventos esportivos mundiais que poderiam impulsionar a infraestrutura de transporte. Foi assim em São Paulo, foi assim em Seul.
Hoje, a metrópole paulista tem 78 km e 68 estações de metrô, enquanto a coreana tem 327 km e 302 estações.
Ou seja, apesar de pontos de partida e características semelhantes, Seul conseguiu adotar um ritmo de expansão equivalente a quatro vezes a velocidade de construção em São Paulo, a cargo do governo, controlado pelo PSDB há mais de duas décadas.
As duas capitais comemoram 40 anos de relação como "cidades irmãs" -ou "gêmeas", nas palavras do embaixador brasileiro na Coreia do Sul, Luis Fernando de Andrade Serra. Essa irmandade foi um dos motivos para a visita do prefeito João Doria (PSDB) a Seul nos últimos dias.
Embora a evolução da renda nos dois países tenha tido rumos distintos nas últimas décadas, os fatores para explicar essa disparidade no ritmo de expansão do metrô vão muito além da falta de dinheiro, ainda que esse seja um dos pontos a serem considerados.
Os motivos passam por decisões políticas de diferentes instâncias de governo, participação federal pesada nos investimentos, parceria privada já consolidada, trâmites burocráticos simplificados, menor dificuldade para obras nas ruas e soluções criativas.
APLICATIVO
Um novato que se depara com um mapa da rede de metrô em Seul é capaz de se assustar devido ao emaranhado de linhas, cores e nomes.
O brasileiro Carlos Gorito, 30, conta sua primeira reação. "Fiquei perdido", diz ele, que brincava de "decorar nome de estação" e levou meses para se situar. Mas essa desvantagem de se perder não existe mais.
"Estamos na era do aplicativo. Isso revolucionou a forma de andar de transporte público por aqui", diz Gorito, em referência às orientações de trajetos no celular.
INICIATIVA PRIVADA
A expansão do metrô coreano foi definida em parceria entre os governos federal e local. E teve injeção de recursos nacionais, geralmente abaixo de metade da verba. Em São Paulo, a participação da União é muito tímida e costuma se dar só por meio de linhas de financiamento do BNDES.
Além de brigas políticas, isso se deve à disputa de recursos com outras áreas prioritárias e com outros Estados.
A participação da iniciativa privada como forma de gerar recursos para a expansão e operação da rede também se consolidou há muito mais tempo em Seul. Há pelo menos duas décadas.
Em São Paulo, a única linha em operação em regime de PPP, a 4-amarela, começou a funcionar há sete anos. Outros projetos anunciados atrasaram ou patinaram. O mais emblemático é a construção da linha 6-laranja, que está parada após empreiteiras terem abandonado a obra na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), gerando impasse jurídico entre os setores público e privado.
"Na América Latina existe um problema de confiança em termos jurídicos. A coisa ainda está começando, a lei da PPP não está tão consolidada", diz o consultor em transporte Peter Alouche, que trabalhou por mais de três décadas no Metrô paulista.
O coreano Joomho Ko, doutor em transportes, estranha quando é questionado sobre até que ponto as desapropriações de imóveis são um gargalo para as obras do metrô na Coreia, questão corriqueira na capital paulista.
"Esse não é nem deveria ser um problema", afirma. Primeiro, diz, apesar do forte adensamento na capital coreana, não faz sentido pensar em grande volume de desapropriações diante de obras essencialmente subterrâneas.
Mas e a construção das estações? "Não precisa desapropriar tanto nem construir grandes prédios para as estações. É possível aproveitar os que já existem", diz Ko, em referência ao uso do interior de edifícios comerciais existentes como entrada e saída de passageiros do metrô.
Eleonora Pazos, da UITP (associação internacional de transporte público) na América Latina, avalia que, assim como Seul, onde há estações que mais parecem shoppings de tantas lojas, outras metrópoles conseguem melhor aproveitamento comercial da rede. "Isso traz recurso ao transporte público, além de movimento e vida ao sistema."
Em Seul, relata Ko, diante da decisão de construir uma linha de metrô, há bloqueios drásticos nas vias durante a obra. "Os moradores vão entender que é um benefício futuro. E que a obra vai demorar só aquele tempo definido."
Em São Paulo, interdições são um processo de desgaste, também devido ao descrédito da população. Todas as linhas sob construção na gestão Alckmin, por exemplo, atrasaram. E parte não tem nem mais previsão de entrega.
Peter Alouche lembra sobre a burocracia demorada no Brasil de processos de contratação e licenciamento ambiental. "Na Coreia também se discute, mas não nos alongamos tanto assim", avalia Ko.
REALIDADES DIFERENTES
A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) minimiza a expansão comparada da rede de metrô em São Paulo e Seul sob a alegação de que elas têm realidades, inclusive econômicas, "completamente diferentes".
"A cidade de São Paulo conta com a maior e mais eficiente malha metroviária do Brasil, transportando 4,5 milhões de usuários por dia, o equivalente a mais de 70% das pessoas que usam todos os outros sistemas de transporte sobre trilhos no país inteiro", diz a companhia, em nota.
O Metrô afirma que, nos últimos 20 anos, "somente com investimentos provenientes de recursos próprios e financiamentos bancários", construiu e entregou 34,2 km e 30 estações de metrô. "Ao contrário de outros Estados brasileiros, São Paulo nunca recebeu recursos federais para as obras de expansão, somente financiamentos que são pagos pelo contribuinte paulista por meio da arrecadação de impostos", diz.
Segundo a UITP (associação internacional de transporte público), a China inaugurou só em 2016 mais de 480 km de metrô.
Diante dos seguidos atrasos em projetos recentes, a gestão Alckmin cita que houve abandono de obras por parte de consórcios contratados, como na segunda etapa da linha 4 e a implantação do monotrilho da linha 17. "Os serviços só foram retomados após o Metrô rescindir contratos e até mesmo relicitar as construções", diz.
A companhia diz que no metrô de Seul há "subsídio direto a fundo perdido do governo para garantir a sua expansão, sendo que 40% da construção é paga diretamente pelo governo central e 20% pela iniciativa privada". Afirma ainda que "as rígidas leis ambientais, os complexos processos de desapropriação e o contínuo e rápido adensamento da cidade de São Paulo também interferem no desenvolvimento dos projetos e na realização das obras".
"Portanto, qualquer comparação entre o metrô de São Paulo e o sul-coreano é, no mínimo, um exercício pouco recomendável para quem se propõe a dar informações sérias e fundamentadas em bases concretas", afirma a companhia.
João Doria (PSDB), que andou de metrô em Seul nos últimos dias, diz não haver perspectiva de a prefeitura voltar a injetar recursos na rede. "Eram outros tempos", diz, sobre a destinação de R$ 1 bi do município para essas obras na gestão Gilberto Kassab (PSD). O tucano afirma, porém, que "a prefeitura tem contribuído com terreno".
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.