GIBA BERGAMIM JR. E PAULO SALDAÑA – FOLHA DE S. PAULO
Com o objetivo de ampliar vagas na educação infantil, a gestão João Doria (PSDB) tem fechado espaços como brinquedotecas e salas de leitura nas escolas para criar salas de aula para atender crianças de 4 e 5 anos. Professores e especialistas afirmam que essa política de expansão pode precarizar o ensino.
A medida foi informada às escolas, a partir do final de março, em e-mail da Secretaria de Educação. Salas de informática e vídeo também têm sido transformadas em novas classes de pré-escola.
Emenda constitucional de 2009 tornou a matrícula de crianças de 4 e 5 anos obrigatória. O prazo final para universalizar esse atendimento acabou no ano passado e o não cumprimento pode provocar questionamentos judiciais contra a administração.
Segundo a secretaria, 33 escolas passaram por algum tipo de mudança –de um total de 558. Foram readequadas 11 salas de informática, 5 salas de leitura e 3 brinquedotecas. Ao todo, diz a gestão, foram criadas 74 turmas em dois turnos diurnos de seis horas. A pasta diz que a mesma medida ocorreu em salas de informática na administração passada (leia mais abaixo).
Educadores reclamam que não houve discussão prévia com a prefeitura e que projetos pedagógicos para esses espaços foram prejudicados. Pais de alunos da Cemei Capão Redondo (zona sul) foram avisados nesta quarta-feira (3) que a brinquedoteca deu lugar a uma classe. Na unidade, funcionam creche (até 3 anos) e pré-escola.
"A professora disse que tiraram a brinquedoteca contra a vontade dela. É um espaço a menos", diz a dona de casa Angela Rodrigues, 33, mãe de uma aluna.
Na Escola de Educação Infantil Thais Motta, em Taipas (zona norte), duas classes foram criadas no lugar das salas de leitura e informática. A direção improvisou a sala de leitura no pátio interno e livros foram espalhados em outros espaços. Um educador que pediu para não ser identificado disse que o trabalho pedagógico foi "desrespeitado" e que, em uma dessas salas, as aulas começaram sem lousa.
Moradora de Taipas, a funcionária pública Aline Febraio, 30, precisou transferir seu filho de 5 anos para uma escola no bairro e ficou seis meses à espera de vaga. Conseguiu a matrícula em uma das novas salas abertas. "Ele até chorava sem ir pra escola, então foi um alívio. Mas não achei a melhor solução", diz. "Não faz sentido eles ficarem só na sala, era importante ter esses espaços."
FILA
O desafio dos municípios para expandir a educação infantil passa por restrições orçamentárias e dificuldade de obter terrenos nas periferias.
A gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) havia prometido zerar a demanda de pré-escola até o fim de 2016, o que não ocorreu. Houve aumento no acesso, e o número de escolas do tipo passou de 525 para 558. Mas, em dezembro passado, 1.269 crianças ainda esperavam vaga. Em março, mês com o dado mais atual, a fila nessa etapa chegava a 4.352 crianças. A prefeitura registra 219.451 matrículas em pré-escolas.
Uma decisão judicial de 2013 obrigou a Prefeitura de São Paulo a criar 150 mil vagas na educação infantil (em creches e pré-escolas). A Justiça pontuou que a expansão não deveria ocorrer às custas de perda de qualidade.
Na gestão Haddad, como forma de ampliar o acesso, o número de alunos por sala foi ampliado, chegando a 35 crianças por sala. Parâmetros de qualidade do MEC (Ministério da Educação) indicam um limite de 20 alunos.
A pesquisadora Maria Malta Campos, consultora da Fundação Carlos Chagas, explica que decisões como essa revelam falta de planejamento. "Para desafogar a pressão por mais vagas, compromete-se a qualidade."
Para ela, as salas ambientes enriquecem as experiências infantis. "Como o número de crianças por professor ainda é bastante alto, com esses espaços é possível trabalhar em alguns horários com grupos menores de crianças." A preparação desses espaços requer dedicação, diz ela. "Ter que desmontar tudo de uma hora para outra pode gerar desmotivação para o trabalho e decepção para crianças."
O advogado Rubens Naves, que integra o Grupo de Trabalho Interinstitucional pela Educação Infantil (Gtiei), diz que a decisão deveria ser debatida antes. "Se o prefeito, na pretensão de criar vagas, tem que fechar uma biblioteca cujo projeto é essencial para a escola, ele pode prejudicar essas crianças", afirma.
PREFEITURA NEGA PREJUÍZO
A secretaria de Educação da gestão João Doria (PSDB) defendeu que a readequação de espaços para atendimento da demanda não é algo novo e que, no processo deste ano, foram criadas 2.077 vagas. Outras 6.000 teriam sido geradas apenas com gestão interna.
Segundo a pasta, comandada por Alexandre Schneider (PSD), as novas classes foram ocupadas por crianças sem vaga ou matriculadas em creches conveniadas –mas em idade de pré-escola. O atendimento à demanda, diz a prefeitura, "será efetivado sempre para garantir o direito legal das crianças".
A pasta afirma, em nota, que metade das Emeis (Escolas Municipais de Educação Infantil) da rede não possui salas ambiente e o trabalho "é reconhecidamente de boa qualidade". Segundo a secretaria, 58% das Emeis não possuem brinquedotecas e 76% não têm salas de leitura.
"O trabalho pedagógico da educação infantil se baseia na organização dos espaços e do tempo a fim de propiciar experiências diversas", diz. "Dentro de uma mesma sala as crianças podem ter 'cantinhos de leitura', brinquedos e jogos, materiais pedagógicos (massa de modelar, guache etc), instrumentos musicais e, inclusive, equipamentos de informática."
A secretaria diz que vai providenciar os recursos adequados para a escola Thais Motta e que, na Cemei Capão Redondo, os alunos ainda dispõem de parquinho e de brinquedoteca no próprio prédio.
A gestão atual culpa o antecessor Fernando Haddad (PT) por não ter realizado investimentos. Diz ainda que 71 salas de informática viraram classes regulares no mandato anterior. "Diante do buraco orçamentário herdado, o governo está empenhado na definição de recursos para a retomada das obras."
A equipe do ex-prefeito disse que criou 15.787 vagas em pré-escola e deixou R$ 5,5 bilhões em caixa. "A dificuldade da atual gestão em definir prioridades pode ter paralisado obras que foram deixadas em andamento, o que pode ter gerado um gargalo no objetivo de universalizar o atendimento da pré-escola."
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Por que Doria está substituindo salas pedagógicas por salas de aula?
A gestão tem priorizado a matrícula de crianças fora da escola ou que precisam de transferência, uma vez que não há prédios suficientes para que toda a demanda seja atendida
Qual é a importância desses espaços pedagógicos?
Educadores apontam a importância do uso de espaços diversificados, além do conteúdo tradicional na sala de aula, para o desenvolvimento integral das crianças
O que diz a lei?
Emenda constitucional determinou que todas as crianças de 4 a 5 anos do país estivessem na escola até 2016 (antes, a obrigatoriedade começava aos 6 anos). Decisão judicial de 2013 diz que a prefeitura deve expandir matrículas mantendo a qualidade
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.