Por Leão Serva – Folha de S. Paulo
Há muito tempo o diesel deveria ter sido proibido nas grandes cidades, mas a indústria do petróleo e as fábricas de caminhões e ônibus forçam para mantê-lo. Com isso, ele segue matando, por doenças respiratórias e outras colaterais, mais até do que a gasolina, menos poluente.
No papel, São Paulo está na vanguarda do planeta: a Câmara Municipal aprovou em 2009 a lei municipal de mudanças climáticas, que previa que todos os ônibus em circulação na cidade seriam movidos a energia limpa em 2018. Isso mesmo, já no ano que vem.
Na vida real, estamos atrasados: para chegar lá deveria ter havido ao longo dos últimos anos uma substituição anual de 10% da frota, que não aconteceu nas gestões Kassab e Haddad. Depois de anunciar à coluna que em 2018 a cidade só teria ônibus "verdes", a prefeitura lançou a licitação para renovação dos contratos de ônibus da cidade, em 2015, sem referência à questão; tampouco exigiu a compra de ônibus limpos aos concessionários do contrato anterior. A concorrência ficou suspensa até o final de 2016. E desde que tomou posse, a atual administração ainda não tocou no assunto. Estamos quase no meio do ano e não é possível mudar tudo no tempo que resta.
Uma das causas da preservação do diesel em todo o planeta é uma visão imediatista do que sejam gastos públicos: trocar a motorização da frota de uma metrópole custa um caminhão de dinheiro (perdoe o trocadilho). Mas se o governante olhar os cofres públicos como um todo, verá que a substituição pesa no "bolso dos Transportes", mas depois sobra dinheiro no "bolso da Saúde".
Foi essa visão mais ampla da administração que convenceu a primeira-ministra britânica, a conservadora Theresa May, a aceitar a tese do prefeito de Londres, o trabalhista Sadiq Khan, que defende o financiamento público para incentivar os proprietários a trocar seus veículos ou motores diesel. Khan estima o processo de conversão em dois anos ao custo de 3,5 bilhões de libras. Prefeito e primeira ministra terão de convencer as suas áreas de finanças e também o ceticismo de outros políticos que não acreditam nos números.
Apesar de serem de partidos diferentes, os dois concordam quanto aos números que indicam que 9.000 londrinos morrem por ano em decorrência de doenças relacionadas à poluição, a um custo anual de 3,7 bilhões de libras (R$ 15 bilhões). No Reino Unido todo, o custo chegaria a 20 bilhões de libras (R$ 80 bi).
A poluição da capital inglesa vem principalmente de veículos automotivos e 10% da frota de carros de passeio roda com diesel. Em 2015, o ex-ministro da Ciência, Paul Drayson, iniciou o combate ao combustível ao declarar: "O diesel está literalmente matando gente".
Várias cidades da Europa, onde se usa um diesel menos poluente que o brasileiro, anunciam restrições ao combustível. Até a Cidade do México, com características semelhantes a São Paulo, vai adotar a proibição total do combustível em suas ruas a partir de 2025, acompanhando Paris e Londres.
Há uma grande ameaça para o Brasil nessa pressão coesa das cidades europeias: pense para onde as fábricas vão querer exportar os veículos que não poderão mais vender na Europa e no México? Com a subserviência dos sucessivos governos brasileiros à indústria automobilística, logo vai aparecer um projeto de incentivo à implantação de montadoras de carros a diesel. Preparem os hospitais, que lá vem mais doença pulmonar.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo.