EDUARDO GERAQUE – FOLHA DE S. PAULO
Ao menos 75 invasões em áreas ambientais ocorreram nos últimos quatro anos às margens das represas Billings e Guarapiranga, mananciais localizados na zona sul de São Paulo e fundamentais para o abastecimento da região metropolitana da capital.
O resultado disso, motivado pela pressão por moradia popular, é o impacto nas matas e na qualidade da água, segundo relatórios oficiais obtidos pela Folha e levantamentos feitos por entidades ambientalistas que atuam no mapeamento de áreas sensíveis dessa região da cidade.
Parte desses estudos chegou à reportagem por meio do Folhaleaks, canal criado pela Folha para receber informações e documentos.
Por volta de 5,6 milhões de pessoas bebem água das duas represas. Não há medições sobre as áreas destruídas. Segundo a lei, porém, as áreas de mananciais não podem ser ocupadas por ninguém.
A presença de quase 10 mil pessoas, segundo estimativas, nestas ocupações ilegais, lança esgoto nas águas que, depois de tratadas, saem pelas torneiras. Em sua maioria, essas ocupações não são coordenadas por nenhum grupo social organizado. As famílias chegam aos poucos, ocupam as áreas verdes, e logo um novo bairro aparece.
Sobrevoos pela área revelam espaços desmatados. O avanço das moradias ocorre nos mananciais e em outros locais de preservação ambiental, como a APA Colônia-Bororé, com mata atlântica exuberante no extremo sul. A pressão afeta principalmente áreas das prefeituras regionais de Capela do Socorro, Cidade Ademar e Parelheiros.
"Várias são áreas consolidadas. Algumas, inclusive, com casas de alvenaria e com mais de 100 m²", afirma Wesley Rosa, do movimento ambiental pela defesa do Parque dos Búfalos, na zona sul.
Dados de grupos ambientalistas mostram essa mesma pressão no outro extremo da cidade, como moradias irregulares em áreas próximas a obras do Rodoanel Norte.
A grande prejudicada neste caso é a serra da Cantareira e outras represas que também abastecem a Grande SP, em especial aquelas ligadas ao sistema Cantareira.
Quem conhece o processo de formação das ocupações acredita que a consolidação de grandes empreendimentos imobiliários em anos anteriores aumentou a expectativa por moradia. Por isso, sem-teto começaram a ocupar cada vez mais a área.
"A grande preocupação é o impacto dessas ocupações para todos, mais carros nas ruas, aumento da demanda por serviços, como saúde e educação", afirma Rosa. "São impactos que não foram previstos na construção dos grandes residenciais", diz.
O secretário de Meio Ambiente da gestão João Doria (PSDB), Gilberto Natalini, afirma que a prefeitura tem identificado nos últimos meses e atuado para tentar combater novas invasões em áreas próximas das represas Billings e Guarapiranga.
"Nosso levantamento mostra que são ao menos 70 ocupações consolidadas na zona sul", afirma Natalini. De acordo com ele, outras 70 invasões foram impedidas de avançar somente neste ano.
"Estamos atuando firmemente em conjunto com outras pastas, com a polícia e com o governo do Estado."
Segundo Natalini, no mês passado a prefeitura estava com toda a operação pronta para derrubar casas de alvenaria, algumas de alto padrão, construídas nas margens da Billings, em uma área que pertencia ao extinto Clube de Regatas Tietê.
"Nossa ação estava em sigilo. Mas dois dias antes de ela ocorrer, a Justiça suspendeu as demolições. Estamos recorrendo da decisão", disse o secretário da gestão Doria.
LOTES
Os movimentos ambientalistas da área não desqualificam a luta por moradia, mas desde que todo o processo ocorra sem impactos às matas e aos mananciais.
Parte das famílias que ocupam ilegalmente o extremo sul do município comprou os lotes onde vivem hoje. Durante o processo, a venda dos lotes é feita livremente por meio de panfletos que circulam pela região e ocorre a partir de loteamentos irregulares.
Mesmo com a ocupação ilegal, em muitos lugares há água e luz instaladas na região.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.