Doria estuda projeto para Minhocão com parque, ‘praia’ e restaurantes

ROGÉRIO GENTILE – FOLHA DE S. PAULO

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), estuda transformar o Minhocão, pelo qual passam cerca de 78 mil carros por dia, em um parque linear nos moldes do High Line, antiga linha férrea de Nova York que virou uma área de lazer suspensa.

O projeto, batizado de "Parque Minhocão", foi sugerido a Doria pelo arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, mas depende de estudos técnicos que a administração começou a fazer para avaliar o impacto no trânsito e os modelos de financiamento pela iniciativa privada.

A conversão do elevado presidente João Goulart em área verde seria um dos pilares do projeto de revitalização do centro, que Lerner prepara a pedido de Doria e para o qual foi contratado em parceria com o Secovi, o sindicato do mercado imobiliário.

Inaugurado em 25 de janeiro de 1971 por Paulo Maluf, que o chamou de "a maior obra em concreto armado da América Latina", o Minhocão tem 3,4 km de extensão.

Lerner prevê arborizar as laterais da via, erguida com 8.000 vigas e 85 mil metros cúbicos de concreto (ou 680 mil sacos de cimento). O Minhocão ganharia faixa para bicicletas e teria escadas e elevadores para facilitar o acesso dos usuários.

O projeto prevê também a construção de uma "praia" no elevado, com direito a piscina e bolsão de areia, e de rampas que ligariam o parque Minhocão a alguns edifícios –os andares adjacentes ao viaduto seriam ocupados por cafés e restaurantes.

Lerner propôs ainda utilizar a parte de baixo do Minhocão. A ideia é montar salas para a realização de exposições e de eventos culturais.

Outra possibilidade em discussão na prefeitura, caso os estudos técnicos concluam pela inviabilidade do parque, seria a implantação de um sistema de isolamento acústico e de redução da exposição da vizinhança à poluição veicular.
 

E O TRÂNSITO?

Antes mesmo de sua inauguração, em janeiro de 1971, o Minhocão já despertava polêmica. Reportagens da época diziam que, "passada a euforia da inauguração, os urbanistas da cidade poderão analisar, friamente, o que foi feito de uma das maiores avenidas de São Paulo".

O Minhocão acelerou a decadência da avenida São João, iniciada ainda nos anos 50 quando a avenida Paulista passou a atrair as atenções do mercado imobiliário.

A obra, que passa a menos de oito metros das edificações, criou uma gigantesca sombra na avenida São João e nos primeiros pavimentos dos prédios, que sofrem também o impacto direto do barulho, da falta de privacidade e da poluição dos carros.

Tanto assim que, gestão após gestão nos últimos anos, sempre se discute o que fazer com o Minhocão. José Serra (2005-2006) organizou um concurso de ideias para a revitalização. Gilberto Kassab (2016-2012) defendeu a demolição e Fernando Haddad (2013-2016) propôs uma desativação progressiva.

Na campanha eleitoral, Doria disse que era contra demolir o elevado. Em abril, após visitar uma área revitalizada de Seul com a desativação de um "Minhocão coreano", disse que "a demolição seria uma atitude sem respaldo de investimento".

Em São Paulo, a despeito dos problemas que gera para a qualidade de vida da região, o Minhocão consolidou-se como uma engrenagem do sistema ligação das regiões leste e oeste da cidade.

Se em 1967, quando começou a ser concebido, a região metropolitana de São Paulo tinha uma frota de 493 mil automóveis, atualmente, só na capital paulista, há cerca de 5,96 milhões de carros –sem contar outros veículos, como motos, ônibus e caminhões.

Nos dias úteis, cerca de 7.000 veículos passam pelo elevado no horário do pico da manhã (entre 8h e 9h). Com o eventual fechamento da pista, as ruas do entorno teriam condições de absorver um tráfego desses?

A Folha apurou que o projeto de Jaime Lerner sofre resistência de parte dos técnicos da Secretaria Municipal dos Transportes justamente em razão do temor de abalo no trânsito da cidade.

Na gestão passada, no entanto, um estudo realizado pela CET em 2014 apontou que a desativação do elevado não provocaria "impactos significativos no sistema viário do entorno".

Para a arquiteta Anne Marie Sumner, professora do Mackenzie, o viaduto é uma obra nefasta. "É de uma insalubridade sem tamanho." Para ela, um parque seria um paliativo. "Tem de demolir."

O vereador Police Neto (PSD) entende que não é necessário derrubá-lo. "O parque Minhocão pode ser um marco para a recuperação do centro da cidade", diz.

O deputado federal Paulo Maluf (PP), que fez a obra quando prefeito, diz que todo mundo critica o Minhocão, mas que ele é fundamental para o trânsito. "Um túnel é mais bonito, mas o paulistano aceitaria pagar o dobro de IPTU para construí-lo?"

Maluf aconselha Doria a ler o que o então prefeito Olavo Setúbal (1975-79) falou quando alguém lhe perguntou se derrubaria o Minhocão. "Você quer derrubar o prefeito?"

420 DIAS

O Minhocão foi inaugurado no 417º aniversário da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1971, após 420 dias de obras. Conforme reportagem publicada pela Folha na época, 3.100 operários e técnicos trabalharam na construção.

Ele começou a ser concebido na gestão do prefeito Faria Lima (1965-1969), mas foi construído por Paulo Maluf (1969-1971), que o sucedeu.

A obra foi viabilizada por uma reforma tributária realizada em 1965, durante a ditadura militar, pela qual os municípios passaram a receber um percentual do então ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), que substituiu o IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações).

O elevado, que por muitos anos homenageou o general Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar, custou Cr$ 40 milhões na época –R$ 202 milhões em valores atualizados pelo IGP-DI (FGV).

A via possuiu uma largura de 16,7 metros e as suas fundações estão em uma profundidade de 46 metros em relação ao nível do solo. 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
 

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