Por Mara Gama* – Folha de S. Paulo
Se a maior cidade do Brasil cumprisse as diretrizes de seu Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, o PGIRS, aprovado em 2014, chegaria ao segundo semestre de 2017 recuperando 19% dos resíduos secos e 15% dos orgânicos gerados. Não estamos nem perto. E não há dados para saber a que distância estamos das metas.
Considerando a geração de 12 mil toneladas de resíduos ao dia atualmente, a reciclagem planejada pelo PGIRS desviaria dos aterros sanitários cerca de 4 mil toneladas/dia, 1/3 dos resíduos de São Paulo. Em 2034, a cidade deveria aterrar apenas 15% de seus rejeitos, que são a parte não reciclável dos resíduos.
O PGIRS é um marco regulatório do setor. Define ações e rota tecnológica para os próximos 20 anos. Resultou de um processo participativo amplo na definição de estratégias a serem adotadas de forma integrada pelo poder público.
Para chegar ao cenário desenhado pelo PGIRS para 2017, já teriam de estar em operação quatro rotas diferentes de recuperação dos resíduos secos: 14% dos materiais reaproveitáveis secos teriam de ser processados em novas centrais de triagem, 3% em ecoparques e 2% nas centrais de triagem que estão funcionando.
Para os resíduos orgânicos, seriam três rotas: centrais de compostagem, dando conta de 7% do material produzido; ecoparques, processando 6% do gerado; e 2% sendo retidos nas casas das pessoas, através de sistemas de compostagem doméstica e condominial.
Os dados foram apresentados pela Aliança Resíduo Zero na última quarta (27) no Instituto Pólis, em São Paulo, no seminário "Resíduos Sólidos na Cidade de São Paulo – implementando o Plano de Gestão". O evento, que pretendia avaliar medidas tomadas em relação ao plano, teve a participação de técnicos, pesquisadores, advogados, empresários, representantes de catadores, da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e também da Amlurb, a autarquia que cuida da limpeza urbana.
ORGÂNICOS
Principalmente em relação à gestão de orgânicos, que é responsabilidade direta do município, não estamos nem perto das metas do PGIRS. Apesar do êxito, o programa piloto Composta São Paulo, que distribuiu composteiras a mais de 2.000 domicílios em 2014 e foi avaliado positivamente por 98% de seus participantes, não foi continuado. Nenhuma outra ação de incentivo à compostagem pelas famílias foi disparada.
O programa de reaproveitamento dos restos de feiras livres misturados com podas de canteiros, que tem um pátio em operação na Lapa desde outubro de 2015, coletando resíduos de 52 feiras, ainda não teve a expansão prometida. Na última nota emitida pela Prefeitura, em 12 de junho, não havia nenhuma data para a abertura dos novos pátios da Sé, da Mooca, de Ermelino Matarazzo e de São Mateus, que já estavam programados desde o governo Fernando Haddad.
Presente no seminário, a assistente de planejamento da Amlurb Marcia Mertran disse que faz parte do plano da administração Doria em relação às metas do PGIRS instalar nove pátios de compostagem, mas não deu datas.
RECICLÁVEIS SECOS
Na área de recicláveis secos, compostos em sua maior parte por embalagens, nem dá para medir avanços, se por acaso eles aconteceram. Os dados do próprio PGIRS apontam que 2014 a cidade enviava quase 95% dos resíduos sólidos urbanos para aterros e reciclava os secos, 5%, em centrais de triagem e mecanizadas.
No portal da Amlurb, não há informações atualizadas. Na última quinta, 29, na página "Quantitativos", que segundo o próprio site teria o total dos resíduos coletados no município, havia um aviso: "página em atualização". Numa outra página, "Infocidade", os dados mais recentes sobre coleta de lixo são apenas por origem e a série histórica, anual, acaba em 2014.
Em março, quando lançou o aplicativo "Limpa Rápido", que traz horários de coleta, endereços de Pontos de Entrega Voluntária, Ecopontos e lista os materiais que podem ser descartados em cada situação, a Prefeitura divulgou que o aplicativo teria também "dados dos volumes e destinação de resíduos da cidade", além de "notícias atualizadas sobre reciclagem". Ao menos na versão que está disponível para baixar, a chave de acesso a esses recursos não existe.
PROPOSTAS
Justamente para monitorar a implantação do PGIRS e dar transparência às informações, a Aliança Resíduo Zero lançou durante o seminário a proposta de criação de uma comissão de acompanhamento. Segundo a socióloga Elisabeth Grinberg, integrante da Aliança, seria uma forma de controle social importante.
Por entender que a fração orgânica dos resíduos é de responsabilidade fundamental da Prefeitura – para os recicláveis secos existe por lei a participação das empresas geradoras, distribuidoras e comercializadoras de embalagens -, a Aliança defende a coleta em três frações (recicláveis, orgânicos e não recicláveis); a discussão e divulgação das estratégias e tecnologias para o tratamento desses orgânicos e metas mais ambiciosas para a cidade, sintonizadas com o PGIRS.
O representante da Rede Nossa São Paulo, Fernando Beltrame, falou da necessidade de um diagnóstico aprofundado sobre as cadeias formal e informal da reciclagem na cidade, para identificar os problemas de operação. Um dos exemplos de gargalos que passam despercebidos em estatísticas e planos é a inexistência de um ciclo de reciclagem de vidro na cidade, apontada por Beltrame.
Ele lembrou da necessidade de inclusão real dos catadores, propondo a remuneração por peso de material coletado e a implantação de coleta seletiva em 100% dos edifícios públicos e criticou também a meta anunciada pela administração municipal em março de desviar 100 mil toneladas ano da rota do aterro na capital.
PREFEITURA
O Plano de Metas anunciado em março deste ano pela prefeitura de João Dória não mencionava a observação das diretrizes do PGIRS. Durante o seminário, a assessora da Amlurb Marcia Mertran afirmou que a meta de 100 mil toneladas ano está sendo revista para 500 mil toneladas.
Como medidas da administração no setor, citou projetos de ampliação do número de ecopontos, a implantação da coleta seletiva em edifícios públicos como escolas e repartições, a ampliação da qualificação da gestão e catadores da rede de cooperativas e a elaboração de um plano de comunicação. Sem datas.
Mara Gama é jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo.