PAULO SALDAÑA – FOLHA DE S. PAULO
A USP (Universidade de São Paulo) vai implementar, pela primeira vez na história, um sistema de cotas para alunos de escola pública, com metas oficiais a serem cumpridas nos próximos anos. A reserva de vagas será escalonada a cada ano e, até 2021, metade dos ingressantes de cada curso e turno terão de vir da escola pública.
A mudança será analisada pelo Conselho Universitário, instância máxima da universidade, na próxima terça-feira (4). A proposta da reitoria já passou em várias outras instâncias, com parecer positivo.
A definição de cotas para pretos, pardos e indígenas ficou de fora. Caberá a cada unidade dispor de reserva específica para isso, sem que haja uma meta definida.
Pela primeira vez na história a Faculdade de Medicina da USP terá vagas reservadas para negros. Das 125 vagas do curso, 50 estarão no Sisu. Dessas, 25 serão para alunos da rede pública e 15 para pretos, pardos e indígenas, também da rede pública. As outras 10 vagas no Sisu serão disputadas por ampla concorrência. Já o restante das vagas da unidade continuam com disputa pela Fuvest.
A implementação de cotas representa um tabu histórico na USP, principal instituição pública de ensino superior do país. A universidade tem sofrido pressão ao longo do anos para garantir maior inclusão entre seus alunos.
Neste ano, 37% dos ingressantes são oriundos de escolas públicas –percentual que não se repete em cursos tradicionais e concorridos, como medicina e engenharia. Ainda assim, o índice é baixo, considerando que mais de 80% dos alunos de ensino médio de São Paulo estão em unidades públicas.
O reitor Marco Antonio Zago havia prometido que, até 2018, a universidade garantiria 50% dos ingressantes da rede oficial. No entanto, a nova resolução estende o prazo.
Para 2018, a meta é alcançar o mesmo percentual já registrado neste ano: 37%. Mas a grande diferença é que o texto prevê que esse nível de inclusão seja alcançado por todas as unidades –não por todos os cursos.
A partir de 2019, entretanto, a cota deverá ser alcançada por curso e turno. Essa reserva aumenta a cada ano: 40% em 2019, 45% em 2020 e, finalmente, 50% em 2021. "A reserva de vagas para egressos da escola pública será cumprida de forma escalonada, de maneira a permitir, ao mesmo tempo, que a Universidade e as Unidades aperfeiçoem o Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil", cita a minuta da nova resolução de ingresso de alunos.
A USP cria, ainda, uma comissão de acompanhamento da política de inclusão.
Desde 2007 a USP tem um sistema de bônus na nota para alunos de escola pública. O programa, chamado Inclusp, passou por várias modificações e, atualmente, esse perfil de estudante pode ter até 20% de incremento na nota. Se o estudante for PPI (preto, pardo ou indígena), a bonificação chega a 25%.
A aposta da atual gestão para aumentar a inclusão foi colocar parte das vagas da USP no Sisu (Sistema Unificado de Seleção), que usa a nota do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) como critério. O que criou duas portas de entrada para a universidade: Fuvest e Enem.
Coube às unidades definir quantas vagas seriam disponibilizadas no sistema e se haveria reserva de vagas para escola pública e PPI. No último vestibular, 21% da vagas (2.338 de um total de 11.072) foram para o Sisu. Metade delas, reservadas para a escola pública.
Haverá, em 2018, leve aumento de vagas no Sisu. De um total de 11.147 vagas, 2.681 (24%) estarão no Sisu. Dessas, 1.282 serão exclusivas para alunos de escola pública (12% do total) e 988 para PPI (9%).
Entretanto, com essa nova diretriz de reserva de vagas, o percentual mínimo de alunos de escola pública terá de ser alcançado no próximo ano. "A USP reservará, em cada ingresso nos cursos de graduação, conjuntamente considerados os dois processos de seleção (Concurso Vestibular e SISU), um percentual mínimo de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas", diz o texto.
Para chegar ao cálculo da taxa de inclusão, serão levados em conta o ingresso pelas duas portas, o Enem e Fuvest. Em 19 de junho, a universidade anunciou parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo para incentivar alunos a se inscreverem na Fuvest. O projeto prevê simulados, curso on-line e isenção de taxa de inscrição da Fuvest (de R$ 160) para alunos da rede com boa performance.
Ainda há baixa participação de estudantes de escola pública no vestibular da Fuvest. Em 2016, último ano com dados disponíveis, só 31% dos inscritos eram da rede.
A ausência de uma estratégia mais efetiva de inclusão deixou a USP isolada nos últimos anos. Desde 2012, as federais têm de obedecer a lei de cotas.
O mesmo ocorria entre as estaduais paulista. A Unesp foi a primeira a definir metas fixas de reserva de vagas, em 2014. No vestibular deste ano, a instituição já atingiu mais de 50% dos estudantes de escolas públicas, sendo que, destes, 36,7% são de escolas pretos, pardos e indígenas. Este resultado já superou a meta estipulada para 2018. A instituição esperava no mínimo 45% de alunos de escola pública neste ano.
A Unicamp já conseguia alcançar alto índice de inclusão por causa de seu sistema de bonificação. Em maio deste ano, a instituição aprovou a adoção de sistema de cotas para estudantes de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas. A nova política passa a valer no vestibular de 2019.
Na USP, a política de cotas da USP é prevista para valer em um prazo de 10 anos. A renovação dependerá de avaliação da comissão de acompanhamento. A Folha procurou a reitora da USP, mas a administração preferiu não se posicionar antes da reunião do Conselho Universitário.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.