Prefeitura culpa custo da máquina e crise; o volume – cerca de R$ 1 bi – será o menor montante em dez anos
Bruno Ribeiro e Renée Pereira, O Estado de S.Paulo
A Prefeitura de São Paulo tem recursos para investir só 18% dos R$ 5,5 bilhões previstos para este ano no orçamento da cidade, segundo projeções da Secretaria Municipal da Fazenda. O volume – cerca de R$ 1 bilhão – será o menor montante de investimentos dos últimos dez anos, em valores nominais (não corrigidos pela inflação). Até julho, R$ 410 milhões já foram gastos em obras e projetos.
O secretário da Fazenda da gestão João Doria (PSDB), Caio Megale, diz que a alta de 83% nos gastos comuns (custeio) dos últimos cinco anos e a redução de R$ 1,3 bilhão para R$ 200 milhões na previsão de recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) são justificativas para o desempenho. Ele cita também gastos de R$ 3 bilhões não previstos no orçamento (feito na administração anterior) e a crise econômica. “Gastou-se nos últimos anos como se não houvesse amanhã”, diz Megale, referindo-se à gestão Fernando Haddad (PT).
O prefeito João Doria afirma que, “neste cenário, de déficit herdado da gestão anterior e da queda na arrecadação, foi preciso priorizar”. Assim, “investimentos vêm sendo realizados com muita seletividade e responsabilidade fiscal”. Já o ex-prefeito Haddad rebate. “Investi R$ 17 bilhões no mandato, recorde histórico, em meio a uma recessão de 8%, sem cortar nenhum serviço social, e não vendi nada. E obtive grau de investimento da agência (de risco) Fitch (mais informações abaixo).”
Austeridade
Megale relata pelo menos 63 obras, entre creches e postos de saúde, além de 10 empreendimentos maiores, de drenagem a corredores de ônibus, que estão sem verba.
A paralisação deve garantir o equilíbrio das despesas com as receitas e manter o pagamento de servidores, fornecedores e da zeladoria. “É um momento de austeridade, crise fiscal e recessão econômica. A economia está difícil de reagir, se é que vai reagir. Não há nenhum sinal, do lado da receita, de que a economia está melhorando.” Ao contrário da receita, diz, as despesas subiram. “Venho de uma dinâmica de receitas abaixo da expectativa e tendo de equacionar o que vem do passado.”
Na Saúde, em valores nominais, segundo a gestão Doria, a alta de gastos de custeio de 2015 para o ano passado foi de 23,5%, de R$ 3,4 bilhões para R$ 4,2 bilhões. Uma das explicações é a abertura de unidades da Rede Hora Certa – onde se fazem consultas de especialidades, exames e pequenas cirurgias – e de outros equipamentos. Com mais vagas em creches, a despesa com Educação subiu 8,3%. “São serviços que não podem ser cortados”, diz Megale.
Além disso, o aumento das gratuidades no bilhete único trouxe aumento de 53%, de R$ 1,9 bilhão para R$ 2,9 bilhões no período – gasto que ainda deve subir mais, uma vez que a tarifa de ônibus está congelada.
Para o secretário, nos últimos três anos a Prefeitura pôde fazer uso de mecanismos para criar receitas que, agora, não estão disponíveis: a venda da folha de pagamento do funcionalismo para o Banco do Brasil, a renegociação da dívida com a União, que resultou no reembolso de juros pagos e, ainda, o aval para usar depósitos judiciais no pagamento de precatórios. “Não fosse isso, o cenário seria outro, uma vez que as receitas de recursos próprios estão em queda desde 2014”, afirma.
A capacidade de recuperação do investimento depende de desestatização e privatização, segundo Megale, ao citar o plano apresentado pelo prefeito. Na avaliação da gestão Doria, há espaço para, ainda este ano, levar à frente a concessão dos parques municipais à iniciativa privada, recebendo recursos das outorgas que os parceiros terão de pagar à Prefeitura, e a venda da São Paulo Turismo (SPTuris), que inclui o Complexo do Anhembi, na zona norte. Esses recursos extras poderiam dar fôlego aos investimentos – o plano de metas de Doria, apresentado na última semana, prevê investimentos de R$ 10,8 bilhões até 2020.
Desafios
Segundo Bruno Pereira, da Radar PPP, consultoria especializada em fomentar parcerias, Doria terá pouco tempo para agir. “Em média, da priorização de um projeto até a sua licitação, são consumidos aproximadamente dois anos”, afirma. “Um ponto de interrogação, entretanto, é o eventual comportamento menos ou mais colaborativo do Tribunal de Contas do Município”, diz.
Para o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), José Roberto Afonso, pesquisador da FGV, hoje o corte de despesas deve ser prioridade total para as prefeituras porque é difícil elevar as receitas. Além disso, gestores deveriam explorar mais os novos recursos de tecnologia em Educação e Saúde para melhorar a gestão dos gastos. Quanto a reduzir investimentos, a decisão depende de cada governo. “A meta deve ser segurar custeio e, sobretudo, promover o máximo de parcerias e concessões possíveis.”
Já o professor de Gestão Pública da FGV Marco Antonio Carvalho Teixeira diz que a gestão enfrentará o problema de “ter criado expectativas maiores do que as condições socioeconômicas poderiam oferecer e que a capacidade de resposta (do poder público)”. Para ele, problemas já visíveis, como falhas em semáforos e em manutenção de ruas, mostram que, “mais do que a falta de resposta, há falta de capacidade financeira para dar resposta”.
Saúde deverá ter empréstimo
A Prefeitura já solicitou à União autorização para contratação de um empréstimo de US$ 100 milhões (cerca de R$ 350 milhões), negociados com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para investir em obras na área da Saúde, mas não tem previsão de recebimento dos recursos.
Entretanto, a Prefeitura ainda analisa se buscará novas linhas de financiamento para fazer investimentos, uma vez que, de acordo com a gestão Doria, dada a queda de receitas, há receio de que sustentar obras e projetos com esses recursos possa resultar em um endividamento que também comprometerá os demais gastos.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
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