GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO
O acordo entre construtoras e prefeitura para viabilizar a implantação do parque Augusta, na região central de São Paulo, prevê uma troca de terrenos disputados pelo setor imobiliário e contrapartidas que somam R$ 30 milhões das empresas para a construção de equipamentos públicos.
O pedaço de área na marginal Pinheiros, na zona oeste, que as empreiteiras devem receber da gestão João Doria (PSDB) deve ser um pouco menor que a do futuro parque Augusta, mas tem potencial máximo de construção (quatro vezes o valor do terreno, o suficiente para levantar espigões). Já parte da área do parque é considerada de proteção ambiental, menos atraente para o mercado.
O desfecho está na reta final para ser selado nos próximos dias, mas os cálculos finais ainda passarão por técnicos do Ministério Público. O projeto também precisará de aval da Câmara Municipal.
Pelo acerto em vias de conclusão, as construtoras Cyrela e Setin devem trocar a área de 24 mil m² do parque Augusta, avaliada em cerca de R$ 120 milhões, por outra onde funciona a prefeitura regional de Pinheiros, de frente para a marginal Pinheiros.
O Caex (órgão técnico do Ministério Público) está fazendo as análises técnicas para avaliação do terreno na zona oeste –de 18 mil m², segundo a Folha apurou.
O terreno colocado na troca é considerado uma joia do mercado não só por estar em área nobre e pelo potencial construtivo, mas também por estar distante de polêmicas que emperrem planos do mercado imobiliário –caso do próprio parque Augusta, que tem restrições para construção. Por isso, tem sido bem-visto como opção por empreiteiras, que se livrariam da área menos valorizada. Já a gestão diz que a área municipal está subaproveitada.
Projeto que permite a venda de 240 áreas da cidade apresentado por Doria à Câmara diz que esse espaço da prefeitura regional de Pinheiros, onde também há um prédio da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), tem cerca de 50 mil m². Por isso, não seria repassado em sua totalidade na negociação.
Já as contrapartidas incluem a instalação e manutenção do novo parque –na conta está a restauração de uma casa dentro da área verde–, as construções de uma nova sede da prefeitura regional, de uma escola infantil e de um centro de acolhimento para moradores de rua, além da manutenção da praça Victor Civita, nas imediações do terreno de Pinheiros, que as construtoras deverão herdar.
A tentativa de acordo visa pôr fim a uma polêmica que se arrasta há quase 20 anos. A ideia inicial da Cyrela –que comprou o terreno em 2013 e cujos donos têm estreita relação com Doria– em projetos apresentados à gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) era construir duas torres no local, mas mantendo um parque aberto ao público.
O ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) havia decretado a área como de utilidade pública em 2008. De lá para cá, ativistas e moradores do entorno fizeram protestos para barrar os planos do setor imobiliário na região da Augusta.
O Ministério Público entrou com uma ação na Justiça para abertura dos portões existentes ali e impôs pagamento de indenização por danos ambientais às donas.
TRILHA
Em 2017, cinco projetos para um novo parque foram apresentados à gestão Doria por diferentes autores. Segundo Gilberto Natalini, secretário municipal de Meio Ambiente, nos próximos dias será apresentado a entidades e a Doria o projeto final, que demandará investimentos da ordem de R$ 7 milhões.
Além de uma trilha para caminhada, ela prevê um gramado com espelho-d'água corrente, playground e uma espécie de arena destinada a atividades culturais. "Será um espaço contemplativo, com o mínimo de cimento possível e área verde toda preservada", disse Natalini. Uma antiga casa dentro do terreno também será mantida.
A função da Promotoria no acordo é fazer as aferições dos terrenos para a negociação –para evitar que seja desvantajosa aos cofres públicos. Em abril passado, ela defendeu que a prefeitura comprasse a área para garantir a implantação do parque, usando R$ 85 milhões repatriados de contas em bancos estrangeiros em nome do ex-prefeito Paulo Maluf (PP).
RACHA
O acordo em andamento para o projeto do futuro parque Augusta está longe de ser unanimidade. Se há quem comemore a medida que deverá entregar a área ao público, há também quem exija, além do parque, punição às atuais donas da área.
"A decisão será excelente para a cidade, para a população e para gerações futuras. Essa é a última esperança de termos verde nesta região, que não tem praticamente nenhum metro quadrado de área permeável", afirma a advogada Célia Marcondes, que, em 2001, elaborou um abaixo-assinado em que pedia o parque.
Ela diz esperar que o projeto siga adiante e ganhe aval da Câmara Municipal. Célia diz que sempre defendeu a troca de potencial construtivo de imóveis ociosos para garantir que a área não fosse ocupada por empreendimentos.
Também defensor do parque, o movimento Parque Augusta, no entanto, afirma que houve pouca discussão com a sociedade. "Faltou a certeza em não haver conflito de interesses entre a prefeitura e as empresas e cobrar os R$ 600 milhões em multas [uma ação prevê punição por cada dia em que o terreno fica fechado] dessas especuladoras que destroem a cidade", diz a página do grupo nas redes sociais.
Augusto Aneas, um dos representantes do movimento, teme que as construtoras sejam "premiadas" com a permuta. "Há um imaginário de que a área do parque é supervalorizada, mas ela tem um zoneamento restritivo. Agora está sendo ofertada uma área enorme e supervalorizada em troca. Que contas foram feitas para isso? Não queremos o parque a qualquer custo", disse. A Setin e a Cyrela não comentaram o acordo.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.