Por Maria Alice Setubal – Tendências / Debates – Folha de S. Paulo
Nossa incapacidade de ofertar e garantir uma educação básica de qualidade para todos acarreta consequências graves não só para pessoas em maior situação de vulnerabilidade, mas para todo o conjunto da sociedade.
O Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que o Brasil está entre os países mais violentos do mundo -foram 59.080 homicídios em 2015, taxa de 28,9 por 100 mil habitantes.
A pesquisa confirma também as diferentes faces de nossas desigualdades. De cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Do total de óbitos causados por homicídios, 46,8% são cometidos contra jovens de 15 a 19 anos.
Pesquisa recente, realizada pelo sociólogo Marcos Rolim com jovens que cumpriam medidas socioeducativas no Rio Grande do Sul por atos considerados de maior violência, revela que a perda de vidas está diretamente conectada à falta de oportunidades educacionais e de inserção no mundo do trabalho.
Embora os perfis e as histórias de vida desses jovens sejam múltiplos, podemos destacar a recorrência de casos de vulnerabilidade e de abandono escolar entre eles -em muitos casos aos 11 e 12 anos.
É nessa idade, na transição do 5º para o 6º ano do ensino fundamental, que verificamos um dos gargalos de nossa educação.
Trata-se de um momento crucial: os estudantes deixam de ter um professor de referência e passam a uma multiplicidade de disciplinas, que muitas vezes não fazem sentido para eles.
Exemplo disso é o fato de a taxa de reprovação no 6º ano ser o dobro da do 5º ano, chegando a mais de 14%, o que representa quase meio milhão de estudantes retidos. Ainda que mais crianças, adolescentes e jovens estejam na escola, o avanço no aprendizado tem se dado de maneira muito desigual.
Ao analisar a evolução dos resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), entre 2005 e 2015, o professor José Francisco Soares demonstra que, embora as médias das escolas tenham avançado, o quintil mais pobre da população permaneceu no mesmo estágio.
No ensino médio, a situação é ainda mais alarmante. A reprovação no 1º ano chega a 16,6%, e o abandono, a 8,8% -mais de 800 mil estudantes, em números absolutos. É preciso lembrar que mais de 15% da população de 15 a 17 anos está fora da escola. E os que lá estão não aprendem.
Frente a esse grande desafio, algumas políticas já poderiam estar amplamente disseminadas, como a adoção de professores coordenadores para atuar ao lado dos professores de disciplinas específicas e uma maior abertura da escola para ao diálogo com pais e a políticas de correção de fluxo e reforço.
É urgente avançar na construção de projetos que levem em conta valores caros aos adolescentes e jovens, como a valorização do grupo, a autonomia, a autoria e o desenvolvimento de atividades que permitam a eles se sentirem pertencentes ao colégio.
Nosso papel como sociedade é acompanhar de perto como as políticas são implementadas em cada localidade e cobrar para que sejam oferecidas as condições necessárias de ensino e aprendizagem. Isso requer reivindicar o cumprimento dos planos de educação.
Em âmbito nacional, a regulamentação do regime de colaboração e a própria construção do Sistema Nacional de Educação, ambas previstas no Plano Nacional de Educação, que acaba de completar três anos, precisam sair do papel.
Num momento em que o país está perdendo seus jovens, é imperativo que as políticas educacionais cumpram seu papel.
Como aponta estudo do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), quanto maior a situação de vulnerabilidade dos jovens, mais eles dependem da escola para definir seu destino, pois não possuem outros recursos econômicos, sociais ou culturais para mitigar uma trajetória de fracasso escolar.
MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014
Artigo publicado na Folha de S. Paulo.