Ausência de professor da rede pública chega a 30 dias no ano no Estado de SP

PAULO SALDAÑA – FOLHA DE S. PAULO

Cada professor das redes públicas de ensino do Estado de São Paulo registra, em média, 30 dias de ausência das escolas em um ano.

O principal motivo é o volume de licenças médicas, que representam, na média, 60% dos dias de ausência na rede estadual e na rede municipal da capital paulista. No restante das prefeituras do Estado, esse índice é de 39%.

Os dados se referem a 2015. O número de ausências equivale a 15% do total de 200 dias letivos que cada escola é obrigada a cumprir pela legislação.

A média leva em conta levantamento de fiscalização realizado pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) com todos os municípios paulistas. As informações da Prefeitura de São Paulo e do governo do Estado foram obtidas diretamente com as respectivas secretarias de Educação.

O absenteísmo entre professores de redes públicas tem forte impacto no dia a dia da escola. Representa dificuldades de redes e escolas em garantir o essencial para a educação: ter o professor na sala de aula.

Mas os altos índices de faltas, com muitas licenças médicas, expõem as precariedades na carreira do professor. Dois em cada dez docentes de São Paulo, por exemplo, dão aulas em mais de uma escola. Não raro, trabalham em redes diferentes.

"A sociedade precisa discutir que tipo de estrutura e de desenho da política educacional leva a essa situação. E um ponto central são as péssimas condições de trabalho", diz Salomão Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC e membro da ONG Ação Educativa. "A dupla jornada e a lotação de salas são indicativos".

Na capital paulista, o cenário é preocupante. A média anual foi de 36,5 dias de falta ao ano por professor tanto em 2015 quanto em 2016, segundo a secretaria de Educação do município.

Na segunda maior cidade do Estado, Guarulhos, os professores tiveram uma média de 22 ausências no ano.

Na rede estadual de São Paulo, que conta com mais de 5.000 escolas e o maior volume de professores do país, foram 28 ausências por professor em 2015. Em 2016, o número passou para 24 dias.

IMPACTO

Os dados contemplam os mais de 370 mil professores que atuam nas redes públicas do Estado e o volume de ausências registradas pelas redes. No total, foram 11 milhões de dias com faltas.

Dessa forma, os dados indicam médias de faltas por professor. Não significa que todos os professores tenham se ausentado dessa forma.

O TCE fez o levantamento a partir de informações fornecidas pelas próprias prefeituras. Cálculos do tribunal mostram que, nas redes municipais do Estado, há uma correlação entre o número de ausências e o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Quanto mais faltas, menor o Ideb.

Para Gustavo Andrey Fernandes, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e assessor da presidência do TCE, a realidade pode ser mais grave, por ser difícil apurar se todas as faltas são computadas pelas escolas.

"Esse volume de ausências é um problema concreto da educação", diz. "Tanto para o resultado da educação, quanto para a eficiência da gestão pública."

O TCE também questionou se as redes tinham programas de inibição ao absenteísmo. Mais da metade dos municípios nem sequer tinha alguma iniciativa, que pode incluir ações de apoio à saúde ou bonificações, por exemplo.

No entanto, das prefeituras com faltas acima da média, quase metade delas diz promover alguma ação.

PROBLEMAS

Problemas na coluna, alergia na mão e sinusite crônica por causa do giz, além de estresse e depressão. Essa é a lista de doenças que a professora Lucia Munhoz, 49, relaciona diretamente à atividade docente e que, nos últimos anos, deixou-a fora da sala de aula por vários períodos.

Seus últimos nove anos foram de dupla jornada. Ela é docente da rede estadual há 15 anos e, em 2008, ingressou na rede paulistana.

"A gente não dobra porque quer, mas porque não tem como se sustentar em um só lugar", diz ela, que é de Ribeirão Pires, Grande São Paulo, e leciona à noite em uma escola da cidade vizinha Mauá. De manhã, está na capital.

O ganho médio dos professores equivale à metade do que recebem profissionais com a mesma escolaridade. No ano passado, Munhoz dava aulas nos três períodos. "A sociedade não tem consciência do que acontece nas escolas, a gente só ouve as obrigações do professor."

O professor de geografia Marcos Andrade, 28, da rede estadual, já contraiu conjuntivite três vezes no trabalho. "Tive 480 alunos neste ano. É um estresse enorme", diz.

Segundo questionário com professores na aplicação da Prova Brasil 2015, 39% trabalham mais de 40 horas semanais. O dado se refere a docentes do ensino fundamental de redes públicas de SP.

Um terço diz que a sobrecarga de trabalho dificulta o preparo das aulas. Para 58% dos diretores de escolas, o índice de ausências dificulta o funcionamento das escolas.

CARREIRA

Heleno Araújo, da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação), diz que os docentes ainda têm uma sobrecarga de trabalho em casa que chega a 14 horas por semana, segundo levantamento de 2012, o que impacta a qualidade de vida.

"O absenteísmo passa por essa gestão que cobra resultados sem garantir condições adequadas de trabalho", diz "Também há casos de fraudes em atestados, e isso é inaceitável. Mas não ocorre no mesmo patamar de doenças."

Licenças médicas (afastamentos com mais de 15 dias) representam 60% das ausências nas redes estadual e da capital. A média de outras prefeituras do Estado é de 39%.

Problemas mentais, como depressão, são a principal causa de doenças. Na capital, por exemplo, duas em cada dez licenças médicas de docentes era por isso em 2013.

A literatura médica descreve a recorrência na categoria da chamada síndrome de burnout ou síndrome de esgotamento profissional, que é um estresse persistente, resultante de pressão emocional associada ao intenso envolvimento profissional com pessoas por longos períodos.

Segundo o TCE, faltas justificadas e abonos, previstas a servidores, representam 27% do total. Faltas injustificadas, 3%. Licenças maternidade e paternidade respondem a 16%. As mulheres são 80% da categoria.

O Ministério Público de SP tem dois inquéritos que buscam as causas do absenteísmo nas redes estadual e da capital. O primeiro é de 2011 e outro, de 2013.

Um dos fatores apurados é a demora para realização de perícias médicas. Para o promotor João Paulo Faustinoni, o problema é ligado a muitos fatores, o que dificulta um plano de ação. "É uma situação que passa por toda organização da carreira docente."

Levantamento do TCE mostra que, em 2015, as faltas foram o maior motivo para pagamento de horas extras nas secretarias de Educação de SP. "Podemos melhorar a gestão, muitos pontos podem ser equacionados", diz Sidney Beraldo, presidente do TCE.

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) diz que ausências reduzem a possibilidade de ganho do bônus. A rede diz que docentes eventuais suprem faltas nas escolas.

A Prefeitura de Guarulhos diz promover ações de saúde, como palestras. O mesmo foi feito pela capital na gestão passada. O governo João Doria (PSDB) informou que alterou em junho o cálculo do bônus, instituindo escala progressiva de descontos a partir das faltas e dando maior peso a licenças médicas.

A gestão diz que modernizou o departamento de saúde para reduzir a espera por perícia.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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