Embate com morador de rua desgasta prefeitos de São Paulo há 5 gestões

GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO

Construção de "rampas antimendigo", jatos de água em praças ocupadas por moradores de rua, restrições à distribuição de sopa, retirada de cobertores, além de mortes de sem-teto em época de frio.

Episódios como esses geraram desgastes a pelo menos cinco prefeitos de São Paulo nos últimos 25 anos, em meio a um processo de crescimento da população que vive nas ruas da metrópole. Se havia cerca de 8.000 sem-teto em 2000, a atual gestão estima que hoje já são 20 mil.

O problema voltou a ser debatido na última semana após a morte de um homem na avenida Doutor Arnaldo, zona oeste da cidade. Encontrado em posição fetal, o homem pode ter sido vítima do frio, já que não havia sinais de violência. Em 2016, foram pelo menos seis mortes.

A morte ocorreu na metade do primeiro ano de mandato do prefeito João Doria (PSDB), na semana em que o tucano deu início à distribuição de cobertores nas ruas.

Mas também em meio à polêmica iniciada após uma equipe de limpeza da prefeitura ser acusada por moradores de rua de molhar barracas e cobertores durante a limpeza da praça da Sé de manhã, depois da madrugada mais fria do ano na cidade. O prefeito nega que os jatos tenham sido direcionados aos moradores de rua, mas admitiu que cobertores foram molhados.

"Não jogaram água em ninguém. Para dizer isso, tem que provar", diz Filipe Sabará, secretário de Assistência Social.

O secretário diz apostar no programa municipal que oferece empregos a pessoas que vivem nas ruas para dar solução a esse drama da cidade.

"Já são 1.045 empregados, com 90% de retenção. Essas pessoas querem emprego", afirmou. Segundo ele, a meta é chegar a 20 mil empregados por meio da iniciativa privada até o fim do mandato.

À frente da Pastoral do Povo de Rua, o padre Júlio Lancellotti diz que o município sofre os efeitos da dificuldade dos administradores de oferecer medidas efetivas e que perdurem ao longo dos anos. "Cada governo está preocupado em criar um projeto que seja uma marca, mas não existe uma política continuada."

A gestão de Fernando Haddad (PT), antecessor direto de Doria, também teve sua cota de polêmica, após guarda-civis serem acusados de retirar cobertores e outros pertences pessoais dos sem-teto durante a onda de frio que atingiu a cidade em 2016.

A assessoria do petista diz que a acusação é "torpe e infundada" e que foi determinado que nenhum agente fizesse isso. Em meio à polêmica, Haddad publicou decreto em que orientava a ação dos guarda-civis e das equipes terceirizadas de limpeza para que não fossem retirados itens pessoais, instrumentos de trabalho e de sobrevivência dos moradores de rua.

O ex-prefeito tinha entre suas bandeiras o programa Braços Abertos (que dava emprego e moradia a viciados da cracolândia) e um abrigo para transexuais.

FOGO EM COLCHÕES

Foi durante o mandato de Luiza Erundina (1989-1992), à época no PT e hoje no PSOL, que o atendimento à população de rua passou a ser municipal. Até ali, era o governo estadual o responsável.

"Antes de ela assumir, a política com moradores de rua era precária e repressiva. Mas não havia essa questão da droga, com a quantidade de excluídos de hoje", diz Rosalina Santa Cruz, professora da PUC e secretária de Assistência Social de Erundina.

"Tínhamos como princípio que a rua é dessa população também. Para isso, sempre serão necessários distribuição de renda, acolhimento e respeito", completa.

Em 1993, o prefeito Paulo Maluf (PP) assumiu com postura concentrada na retirada de pessoas das ruas para levá-las a abrigos.

Deu-se início a um processo rigoroso de remoção na região central. Numa operação em 23 de setembro de 1994, 120 moradores de rua foram retirados de áreas públicas. Eles acusaram funcionários de lavar os espaços sem que todos tivessem saído e queimar colchões.

Ainda sob Maluf, a Câmara aprovou projeto de lei que estabelecia políticas municipais voltadas à população de rua. De autoria da ex-vereadora e professora da PUC Aldaíza Sposati (PT), o texto foi vetado pelo prefeito.

Atualmente deputado federal, Maluf disse por meio de sua assessoria que o veto ocorreu porque o projeto gerava custos à prefeitura, o que, segundo a Constituição, é vetado ao Legislativo. Ele afirmou que jamais determinou que se jogasse água em sem-teto e que construiu 20 mil moradias populares.

Só no ano 2000, no mandato de seu sucessor, Celso Pitta (PTN), ocorreu o primeiro censo de moradores de rua.

A secretária que coordenou o levantamento, Alda Marco Antônio, viria ainda a ocupar o mesmo cargo na gestão Gilberto Kassab (PSD), entre 2007 e 2012. Havia, segundo ela, 5.013 moradores de rua e 3.600 vivendo em albergues.

Já Marta Suplicy (ex-PT, hoje no PMDB) regulamentou a lei de assistência a moradores de rua barrada por Maluf e escolheu Sposati como secretária. Marta criou o projeto Boracea –com cerca de 2.000 atendimentos, oferendo abrigo para sem-teto, suas carroças e cães– e implementou o programa Renda Mínima na cidade.

Embora tenha adotado as medidas, Marta não conseguiu implementar metas prometidas como reduzir a superlotação de albergues.

Em 2005 e 2006, a gestão José Serra (PSDB) foi acusada de instalar rampas "antimendigo" na região da av. Paulista. Segundo Andrea Matarazzo, então secretário de Subprefeituras, a medida visava coibir a ação de criminosos nos espaços. A gestão diz que ampliou vagas em albergues e criou serviço de transporte gratuito para abrigos.

Já Kassab, sucessor de Serra, foi criticado por duas ações: restringir a distribuição de sopa nas ruas e instalar bancos que impediam pessoas de deitar em praças.

Segundo Alda Marco Antônio, foram medidas isoladas de diferentes secretários e que nada afetaram a política de atenção a moradores de rua.

Além de triplicar o orçamento da pasta, defende ela, foram criadas ao menos 85 unidades de atendimento a vulneráveis e nove tendas para sem-teto. "Foi uma experiência exitosa", disse. 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
 

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