MARIANA ZYLBERKAN – FOLHA DE S. PAULO
A última conversa que o consultor Evandro de Almeida, 44, teve com a mãe foi para pedir um pastel. Ela estava de saída para a feira, como fazia toda terça de manhã. Pouco tempo depois, ele ligou no celular dela e quem atendeu foi um bombeiro informando que havia acontecido um acidente.
Inês de Morais Almeida, 72, atravessou a avenida João Dias, a poucos metros de sua casa na zona sul de São Paulo, na faixa de pedestres.
Mesmo assim, foi atingida por um ônibus, que avançou sobre a faixa porque o semáforo estava apagado. "Não foi uma fatalidade. Minha mãe morria de medo de atravessar a rua e sempre foi muito cuidadosa. Sua morte poderia ter sido evitada", diz Evandro.
Casos como esse têm aumentado as estatísticas de atropelamentos fatais na capital desde o começo deste ano. Após meses com problemas, as empresas que ganharam a licitação para manutenção dos quase 6.400 equipamentos em São Paulo correm para fazer os consertos acumulados em um mutirão iniciado na última semana.
Além das falhas na sinalização, o trânsito está mais perigoso. De acordo com dados do Infosiga, programa do Estado de segurança no trânsito, houve aumento de 21% nos registros de mortes por atropelamento no primeiro semestre deste ano, em comparação com igual período de 2016. Os casos fatais passaram de 184 para 223. Maio teve o maior número de óbitos nos últimos nove meses: 47.
A Folha analisou 143 boletins de ocorrência de atropelamentos fatais registrados entre janeiro e abril. Em 41% dos casos, a vítima foi apontada como principal culpada pelo acidente por atravessar fora da faixa.
Esse é um dos relatos mais frequentes de motoristas quando são questionados sobre as causas da ocorrência, além de "o pedestre apareceu de repente" e "não houve tempo para desviar".
Oito acusados de homicídio culposo (quando não há intenção de matar) disseram em sua defesa que o pedestre atropelado estava embriagado, surgiu cambaleante na meio da pista e, por isso, acabou sendo atingido.
A culpa atribuída à vítima só não aparece em casos de atropelamentos na calçada, sobre a faixa de pedestres ou no ponto de ônibus, circunstâncias que constam de ao menos 15 ocorrências analisadas pela reportagem.
Há casos também de veículos desgovernados. Na primeira semana de abril deste ano, uma mulher de 37 anos morreu enquanto ajudava o marido a empurrar o carro enguiçado em uma ladeira de São Mateus, na zona leste.
O descuido de um motorista também causou a morte de uma mulher de 58 anos que estava na varanda de sua casa e foi atingida pelo carro do vizinho. O veículo estava estacionando na garagem e desceu a rua sem freio.
'ACELERA'
De acordo com a especialista em mobilidade não motorizada Meli Malatesta, o fato de a gestão do prefeito João Doria (PSDB) ter aumentado o limite de velocidade nas marginais no início deste ano contribui para o maior risco nas ruas.
"O bordão 'acelera' que o prefeito usa passa a impressão de que tudo é permitido no trânsito de São Paulo", afirma ela.
Os semáforos apagados são um fator a ser analisado para explicar o aumento dos acidentes, de acordo o consultor de trânsito Sergio Ejzenberg. "É preocupante porque pode ser um indicativo importante", diz.
Para Meli, os números de atropelamentos fatais no trânsito paulistano refletem o descuido generalizado com quem anda a pé na cidade. "O pedestre é esquecido. As calçadas são ruins, o tempo de travessia nos semáforos é pouco, e os motoristas não são multados como deveriam ao desrespeitar a faixa", diz.
Todos esses aspectos, de acordo com a especialista, refletem uma lógica das autoridades em gerir a mobilidade urbana voltada ao veículo motorizado. "É uma conjunção de fatores errados. O pedestre é indisciplinado porque não é recompensado por atravessar na faixa. Todo meio urbano vai contra quem anda a pé", afirma Meli.
LUZ
Outro fator que aumenta o perigo para os pedestres na cidade de São Paulo é o horário e a qualidade da iluminação pública. Nos primeiros quatro meses deste ano, 52% das mortes ocorreram durante a noite ou de madrugada.
Os idosos são os mais vulneráveis no trânsito paulistano. Entre janeiro e abril deste ano, pessoas maiores de 60 anos representaram 43% das vítimas fatais.
Um homem de 95 anos, por exemplo, morreu atingido por um carro enquanto comemorava a virada do ano na rua de casa na Vila Ema.
No boletim de ocorrência, o motorista alegou que a fumaça dos fogos de artifício prejudicou sua visão, e ele não viu a vítima.
OUTRO LADO
A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) afirma que iniciou na última segunda-feira (24) uma força-tarefa para a manutenção dos semáforos na cidade. As ações, diz a companhia, estão concentradas principalmente nos corredores que apresentam a maior recorrência de falhas provocadas por atos de vandalismo e incidência de furtos de cabos.
Sobre a alta nos casos de atropelamentos fatais, a companhia diz que usa metodologia própria, mantida desde 1979, para quantificar os acidentes de trânsito na cidade e que não confirma os dados do Infosiga, programa do governo estadual voltado à segurança no trânsito.
"As informações do Infosiga são mais uma contribuição para a análise dos acidentes ocorridos na cidade de São Paulo", afirmou a CET por meio de nota.
O órgão diz que forneceu dados apenas em relação às marginais Tietê e Pinheiros, que registraram só uma morte por atropelamento entre janeiro e abril. O Infosiga analisa boletins de ocorrência de mortes no trânsito para criar sua base de dados.
Dentre as medidas tomadas para aumentar a segurança no trânsito, a companhia informou que implantou o projeto "Pedestre Seguro", que busca ampliar em 20% o tempo semafórico nas travessias. Outro programa, o "100% Pedestre", intensificou a fiscalização e orientação nas faixas de pedestres.
A companhia também afirmou que entre as medidas estão a que restringiu a circulação de motos na pista central da marginal, a promoção de campanhas de conscientização e cursos gratuitos de direção, além da avaliação de 8.000 motos em parceria com a associação da categoria (Abraciclo).
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.