Ainda sem aval de Justiça e Câmara, Doria promete pq. Augusta até 2018

GIBA BERGAMIM JR E THIAGO AMÂNCIO – FOLHA DE S. PAULO

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou na sexta-feira (4) acordo com as construtoras Setin e Cyrela para viabilizar a implantação do parque Augusta, na região central de São Paulo. O tucano vem negociando nos últimos quatro meses a troca dessa área verde (de 24 mil m²) pela fração de uma área pública (18 mil m², segundo estimativas da prefeitura) entre a marginal Pinheiros e a rua do Sumidouro, na zona oeste da cidade.

Doria e os donos das construtoras têm relação de amizade. O acordo é monitorado pelo Ministério Público Estadual e só irá adiante com aval da Justiça e da Câmara Municipal, o que pode levar ao menos dois meses. Mesmo antes desse processo, porém, Doria já fez uma estimativa de quando entregará a área de lazer: 2018.

"Depois de 30 anos de demanda pela criação do parque Augusta e passadas quatro gestões de prefeitos da cidade de São Paulo, nesta quinta gestão conseguimos finalmente uma boa equação para a solução de um problema da cidade. E a melhor solução é a implantação do parque Augusta", disse Doria, em entrevista na prefeitura.

A gestão não revelou a estimativa de valores dos terrenos. O prefeito apenas disse que perícias independentes da prefeitura, da Promotoria e do Judiciário irão mensurar as cifras envolvidas. Se considerar que a cidade está em desvantagem nessa troca, como apontam alguns urbanistas, o Ministério Público pode pedir a diminuição do terreno cedido ou o aumento das contrapartidas das empresas, segundo o promotor Silvio Marques, que acompanhou as negociações.

Além da troca de terrenos, a administração acordou com as empresas uma série de contrapartidas, avaliadas em R$ 30 milhões. Se a permuta for adiante, além da construção do parque e de sua manutenção por dois anos, as empresas terão que fazer uma nova sede da prefeitura regional de Pinheiros e da CET na mesma área, uma creche para 200 crianças, um centro de acolhida para 260 moradores de rua e a descontaminação (a área tinha reservatórios de combustível) de parte do terreno.

Também está previsto, segundo Doria, a revitalização e manutenção da praça Roosevelt e a implantação de um bulevar que ligará a praça ao futuro parque. Os R$ 81 milhões que estavam previstos para a criação do parque pela gestão anterior serão destinados à educação, diz a prefeitura.

Na apresentação do protocolo de intenções, na manhã desta sexta, a Promotoria foi apresentada como "parceira" da prefeitura no acordo que dará origem ao parque. Questionado sobre o papel de fiscalização do órgão, o promotor Silvio Marques afirmou que "não é porque o Ministério Público estava ali que nós vamos concordar com o acordo. Para que essa concordância se efetive, as contrapartidas precisam estar equivalentes ao que a prefeitura vai abrir mão e não pode haver nenhum ônus aos cofres públicos".

Segundo ele, três peritos da Promotoria vão analisar o acordo proposto. "A prefeitura em hipótese alguma pode tomar prejuízo".
 

Próximas etapas:

– Avaliação dos dois terrenos
– Homologação de acordo judicial
– Audiência pública sobre o parque
– Aprovação do acordo na Câmara
– Início das obras
– Abertura do parque (prometida para o ano que vem)

Além de ceder o terreno, construtoras terão que:

– Projetar e implantar parque Augusta e mantê-lo por 2 anos
– Construir creche para 200 crianças, preferencialmente na zona sul
– Construir centro de atendimento para 260 moradores de rua
– Construir nova subprefeitura de Pinheiros
– Revitalizar praças Roosevelt e Victor Civita e mantê-las por 2 anos
– Implantar corredor verde entre pça. Roosevelt e parque Augusta
– Descontaminar terreno em Pinheiros

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AUDIÊNCIA

A decisão de anunciar o pacto oficialmente foi tomada após audiência judicial nesta quarta (2), quando a juíza da 13ª Vara da Fazenda Pública, Maria Gabriella Spaolonzi, determinou a nomeação de peritos para uma avaliação independente das áreas e dos empreendimentos que existem nelas.

A magistrada também elogiou o andamento do acordo, que envolve, além da administração, empresas, Ministério Público e entidades que exigem o parque. O acordo daria fim a uma discussão que se arrasta há 40 anos (veja ao final). Proprietárias da área do parque Augusta, as empresas tentavam levar adiante um empreendimento imobiliário ali desde a última década.

No terreno da zona oeste que eles podem receber com a permuta, funcionam atualmente a prefeitura regional de Pinheiros e a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

O acordo divide tanto urbanistas quanto as próprias entidades que reivindicam a existência do parque. De um lado, estão os que defendem a troca porque a cidade ganhará "um pulmão" de área verde na região central.

Do outro, estão os que veem na ideia a entrega de uma "joia rara" do mercado imobiliário, que trará lucro às construtoras, por uma terra privada com menor potencial construtivo e considerada "um mico", já que há forte pressão de entidades pela manutenção da área verde. A prefeitura defende que não há hipótese de a cidade sair no prejuízo.

Mesmo comprometido com o acordo, Antonio Setin, dono da incorporadora que leva seu sobrenome, disse à Folha que considera a troca desvantajosa para ele. "O nosso projeto da rua Augusta, que vem sendo feito há 12 anos, tem o perfil da região, que se valorizou demais nos últimos tempos", disse o empresário, nesta sexta. "Estamos abrindo mão de um projeto que está aprovado", afirmou.

ESPIGÕES NA MARGINAL

As construtoras manifestaram a técnicos da prefeitura a intenção de levantar torres residenciais na área da marginal.

Documento do Ministério Público obtido pela Folha, porém, sugere haver um projeto de empreendimento das construtoras que inclui hotel, salas de escritórios, lojas e uma torre residencial –nos moldes do que as empresas previam no terreno do parque Augusta.

A membros da prefeitura, eles disseram que esse projeto anterior valia só para a área do centro, e não a da zona oeste. Oficialmente, elas não comentam sobre os planos para a área negociada.

No ano passado, o Ministério Público havia sugerido à administração que usasse cerca de R$ 85 milhões repatriados de contas no exterior em nome do ex-prefeito Paulo Maluf (PP), que nega ser dono delas.

Segundo o promotor Silvio Marques, esse valor terá que ser usado na construção de creches.

Empresa, prefeitura, Ministério Público e Judiciário farão laudos independentes para avaliação dos terrenos, o que deve demorar cerca de 45 dias. Se o acordo for finalizado na esfera judicial, caberá à Câmara, onde Doria conta com maioria, aprovar a troca.

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A HISTÓRIA DO TERRENO

1902 – Palacete Uchoa é construído onde hoje é o terreno do parque 

1907 a 1969 – Tradicional colégio feminino Des Oiseaux funciona no local

1970 – Prefeitura decreta utilidade pública do espaço para fazer um jardim

1973 – Decreto é revertido pelos proprietários, que anunciam a construção de um hotel

1974 – Palacete é demolido sem autorização; sobra apenas uma casa, hoje tombada

1977 – Construtora Teijin compra o terreno para fazer um complexo hoteleiro, mas projeto naufraga

Anos 80 – Uma lona circense no local abriga o Projeto SP, com shows e atividades

1989 – Decreto de Jânio Quadros obriga a manutenção da área aberta

1996 – O ex-banqueiro do BCN Armando Conde adquire o terreno da Teijin

2004 – Bosque que existe no local é tombado

2006 – Conde anuncia hipermercado, e embate com moradores começa. Ele desiste e decide construir 3 torres comerciais, mas projeto também é rejeitado

2008 – Prefeito Kassab (PSD) decreta utilidade pública do local novamente

2011 – Câmara aprova em 1ª votação criação de parque

2012 – Empresas Setin e Cyrela apresentam seu projeto para a área, com construção de torres

2013 – Decreto de utilidade pública caduca, Cyrela e Setin formalizam compra do terreno, e portões são fechados ao público. Haddad (PT) sanciona lei autorizando a criação do parque

2014 – Em janeiro, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma que não tem verba para bancar a construção

2015 – Cerca de 300 ativistas ocupam o terreno por dois meses, enquanto conselho municipal aprova projeto de construtoras para empreendimento. Em abril, Justiça concede liminar para abertura do portão

Abr.2016 – Ação do Ministério Público contra construtoras pede devolução da área e indenização por danos morais coletivos

Out.2016 – Durante a campanha eleitoral, Doria diz ao "Estado de S. Paulo" que parque não sairia do papel: "A prefeitura não vai gastar dinheiro público nisso"

Abr.2017 – Doria anuncia que vai oferecer terrenos públicos às empreiteiras em troca da área do parque

4.ago.2017 – Prefeitura e construtoras anunciam acordo 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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