ANGELA PINHO – FOLHA DE S. PAULO
O Ministério da Educação do governo Temer (PMDB) decidiu rever sua decisão de antecipar o término do ciclo de alfabetização do 3º para o 2º ano do ensino fundamental. A avaliação dos alunos, porém, será feita um ano antes do fim desse prazo.
A antecipação do ciclo estava prevista na versão mais recente da nova base nacional curricular, em fase final de preparação e que servirá de referência em escolas públicas e privadas.
O texto enviado em abril pelo ministério ao Conselho Nacional de Educação, órgão que analisa políticas para a área, previa que os alunos fossem alfabetizados até o 2º ano –correspondente à idade de sete anos.
O Plano Nacional de Educação, lei com metas para a área, coloca como parâmetro o 3º ano –equivalente aos oito anos de idade.
No conselho, a proposta do ministério enfrentou resistência. Ao longo de audiências públicas, secretários de Educação municipais reclamaram que, hoje, programas federais, como o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, levam em consideração o limite de oito anos.
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Alfabetização no Brasil
Como é hoje
Alfabetização deve ocorrer até o 3º ano do ensino fundamental; avaliação nacional é feita no próprio 3º ano
O que o MEC queria
Antecipar a data-limite da alfabetização para o 2º ano do ensino fundamental
A controvérsia
No Conselho Nacional de Educação, prefeituras reclamaram que a mudança geraria problemas como repetência
Como vai ficar
Acordo prevê 3º ano como limite, mas escolas devem priorizar o tema nos dois primeiros anos. Exame nacional será feito no 2º ano
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Um dos relatores da base no conselho nacional, César Callegari, secretário de Educação Básica do MEC na gestão Dilma Rousseff (PT), também vem se manifestando contrário à medida.
O processo de alfabetização, diz ele, tem que levar em conta a diversidade de contextos sociais dos alunos. Crianças que têm pais mais escolarizados, por exemplo, podem ter mais facilidade.
"Tenho convicção de que o 3º ano é o melhor momento, consideradas as diferenças de amadurecimento, repertório de casa e trajetórias das crianças", diz. "Algumas crianças podem se alfabetizar antes, mas colocar um limite precoce pode produzir um conjunto de traumas". Há ainda o risco, afirma, de aumentar a repetência nessa faixa etária.
Segundo ele, questões como essa serão levadas em conta na decisão do conselho.
A secretária-executiva do MEC, Maria Helena Guimarães de Castro, adianta, porém, que a pasta já chegou a um acordo com o órgão. Será uma espécie de solução intermediária. Por um lado, o capítulo da base relativo a esse tema será modificado, e o limite para o ciclo de alfabetização voltará a ser o 3º ano.
Por outro lado, o ministério insiste que ocorra ao longo do 1º e 2º ano o letramento, ou seja, a capacidade das crianças de identificar letras e ler frases curtas, por exemplo. A plena alfabetização, quando o aluno saberia, por exemplo, ler parágrafos maiores e diferenciar uma carta de um romance, ficaria para depois.
"O ciclo de alfabetização será mantido em três anos anos, garantindo que o letramento seja em dois. O Conselho fez essa proposta e achamos adequado". Ela afirma que, nessa linha, o ministério manteve a decisão de fazer a avaliação nacional de alfabetização ao final do 2º ano, e não no 3º, como vem ocorrendo.
O objetivo, segundo Maria Helena, é que as escolas tenham um diagnóstico rápido do que ainda falta fazer no ano letivo seguinte.
Os dados da edição mais recente do exame, aplicada em 2014 a crianças do 3º ano, mostram que apenas 78% dos alunos têm aprendizagem considerada adequada em leitura. Em relação à escrita, o índice é ainda menor, de 66%.
O resultado preocupa, porque é determinante para o desempenho em todas as outras disciplinas ao longo da vida.
Para Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a decisão de fazer a avaliação no 2º ano vai fazer com que, na prática, os municípios forcem a alfabetização até essa serie.
Ele lembra que o recuo do MEC em relação à idade limite é mais um de uma série. No último ano, a pasta já desistiu de incluir identidade de gênero na base, voltou atrás em pontos da proposta do ensino médio e revogou decreto que liberava a educação a distância no ensino fundamental.
"Tudo isso é consequência de uma gestão que lança ideias sem discussão prévia e, depois, tem que voltar atrás."
FOCO INDIVIDUAL
Especialista no processo de aprendizagem de leitura e escrita, a psicopedagoga Edith Rubinstein diz que, mais importante do que a idade, é a escola acompanhar muito de perto o processo de alfabetização de cada aluno.
O desenvolvimento, diz ela, varia de acordo com o contexto familiar –a escolaridade dos pais, o contato com livros etc.
Para ela, não há diferença significativa entre a idade de sete ou oito anos. O importante, afirma, é não só garantir a motivação das crianças, mas também reforçar o desenvolvimento de habilidades mais específicas, o que muitas vezes não acontece atualmente, em sua avaliação.
"Antigamente, a criança era ensinada a ler de forma mecânica, para só depois se interessar pelo conteúdo –o que não era bom", diz ela.
Com o tempo, essa sequência se inverteu, mas a mudança em alguns casos foi exagerada, afirma.
"Algumas práticas tradicionais, como o treino da escrita e exercícios, foram deixadas de lado, e muitos alunos têm problemas como deficiência na coordenação motora fina e dificuldade em diferenciar letras parecidas."
PROCESSO
Diretora do Colégio Equipe, escola particular na região central de SP, Luciana Fevorini diz que o processo de letramento varia muito de criança para criança e tem idas e vindas.
No início da vida escolar, a ideia da escola é promover um primeiro contato com a escrita, de forma a despertar um interesse pelo tema. Ao final do 2º ano, a maioria já está praticamente alfabetizada, afirma.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.