TJ vê problemas e suspende contratos de Doria para conserto de semáforos

FABRÍCIO LOBEL, DE SÃO PAULO, E REYNALDO TUROLLO JR., DE BRASÍLIA – FOLHA DE S. PAULO

A Justiça paulista suspendeu na manhã desta terça-feira (29) dois dos três contratos de manutenção de semáforos da cidade de São Paulo. A decisão da 10ª Câmara de Direito Público identifica que a licitação conduzida pela CET e pela gestão João Doria (PSDB) teve indícios de irregularidades.

A cidade de São Paulo assinou há duas semanas três contratos para retomar a manutenção dos serviços, após quase oito meses de caos e seguidas falhas nos semáforos da cidade.

Há duas semanas, a Folha revelou que a licitação que escolheria as empresas responsáveis pelo serviço na cidade vinha sendo questionada na Justiça. Até um cônsul da Áustria havia enviado uma carta ao prefeito João Doria tentando apelar à "lisura" do processo.

Na decisão desta terça, a Justiça atendeu ao pedido de uma das empresas que concorreu na licitação, mas que foi desclassificada em dois lotes. A decisão tem caráter provisório até que o processo seja analisado por um grupo de desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo.

No valor de R$ 40,5 milhões por um período de um ano (prorrogável para mais um ano), os contratos acabaram nas mãos das mesmas empresas que já prestaram o serviço e que, neste ano, atenderam pedidos do prefeito e fizeram doações à cidade. Estes fatos foram destacados pelo desembargador Marcelo Semer na decisão que suspendeu os contratos.

A decisão tece ainda críticas à gestão municipal. Ao reconhecer que a suspensão dos contratos pode protelar ainda mais a prestação do serviço na cidade, o desembargador argumenta que o atraso na contratação foi "aparentemente criado pelo próprio ente público" e que a demora do pregão, por problemas anteriores da própria administração, "não pode representar um salvo-conduto para eventual direcionamento concorrencial".

A CET disse nesta terça que irá recorrer e derrubar a decisão.

DISPUTA

No início deste ano, a nova gestão da CET decidiu montar um edital para contratar empresas que fizessem a manutenção dos quase 6.400 semáforos da cidade. O último contrato havia acabado no fim de 2016.

Enquanto aprontava a licitação, a CET pediu aos três consórcios que faziam a manutenção dos semáforos até o ano passado (liderados pelas empresas Meng, Serttle e Arc) que estendessem a garantia de seus serviços por três meses. Ou seja, as empresas se comprometeram a, de janeiro a março, consertar novamente os semáforos defeituosos que já tivessem passado por suas equipes de manutenção sem serem pagas pelo trabalho.

Essa não foi a única concessão feita pelas empresas ao município nesse período. Em janeiro, quatro empresas participantes dos antigos contratos de manutenção doaram à Prefeitura de São Paulo e à CET a troca das placas e da sinalização que indicavam a velocidade máxima das pistas das marginais Pinheiros e Tietê. Outras duas empresas de sinalização semafórica também participaram da doação e não saíram vencedoras da licitação. A escolha das empresas ocorreu após um chamamento público e o serviço saiu a R$ 703 mil pagos pelas firmas.

O edital da CET para o conserto de semáforos só saiu em maio, mas foi logo questionado pelo Tribunal de Contas do Município. O órgão notou, entre outras falhas, a falta de detalhamento dos serviços que seriam prestados e como eles seriam pagos.

Com o edital corrigido, em junho, a CET realizou um pregão eletrônico. A concorrência, porém, foi suspensa após a apresentação das propostas da maioria das empresas. A CET informou à imprensa que uma falha no sistema eletrônico do pregão inviabilizou o prosseguimento do certame.

O registro das mensagens trocadas entre a pregoeira da CET e as empresas interessadas nos lotes, no entanto, mostra que a funcionária orientou equivocadamente as empresas a enviarem suas propostas de maneira diferente da solicitada no edital, o que provocou a suspensão do pregão. Uma investigação interna na CET apura o caso.

DESCLASSIFICAÇÕES

Quase um mês depois, em julho, um novo pregão foi feito pela CET e consagrou três vencedoras para os três lotes da cidade. No lote 1, a primeira colocada foi uma multinacional austríaca Kapsch. Mas a companhia foi inabilitada por apresentar uma certidão do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) com seu capital social desatualizado.

A empresa recorreu à CET alegando que o registro do Crea tem como objetivo apenas comprovar sua capacidade técnica. Ouvidos pela Folha à época, os advogados Jorge Eluf Neto (presidente da comissão de controle social dos gastos públicos), Gustavo Henrique Schiefler e Igor Tamasauskas (especialistas em direito do Estado e licitações) concordaram que, ao menos em tese, houve exagero por parte da CET.

"Essa formalidade não é motivo de inabilitação, porque a comprovação de informações contábeis ocorre por meio de documentos próprios, como o balanço patrimonial e registros na Junta Comercial", disse Schiefler. A alegação da empresa à CET, porém, não surtiu efeito. E, por isso, o cônsul da Áustria em São Paulo enviou uma carta ao prefeito pedindo que atentasse ao processo licitatório e se dizendo disponível para um encontro com Doria, o que até agora não ocorreu.

A empresa austríaca chegou a entrar na Justiça, mas um despacho de primeira instância, em processo distinto do que gerou a decisão desta terça (29), considerou que interferir na licitação naquele momento causaria prejuízos ao serviço.

Outra empresa, a Pro Sinalização, foi inabilitada por não ter dado comprovações de que já havia instalado e mantido 50 unidades de "no-breaks" para semáforos, que é o dispositivo que permite o funcionamento do semáforo mesmo quando falta energia (a empresa também havia participado da doação de placas nas marginais em janeiro).

A Pro Sinalização alegou que já havia instalado 50 "no-breaks" em estações de ônibus de Curitiba. Para a empresa, laudos indicariam que o dispositivo das estações de Curitiba poderia ser instalado nos semáforos de São Paulo. A CET não aceitou as alegações.

VENCEDORAS

Com as eliminações, os contratos dos lotes foram oferecidos para as empresas Meng e Arc, no momento em que elas aceitaram reduzir suas propostas. As empresas, ao lado da Serttel, lideravam os três antigos consórcios que faziam a manutenção dos semáforos da cidade até 2016. Foram as três que aceitaram estender suas garantias até março e que também doaram placas às marginais.

Após o pregão e antes da homologação do contrato, Meng e Arc alteraram suas planilhas de custos. Ambas haviam apresentado, no momento do pregão, propostas em que itens estouravam o valor estimado pela CET. As empresas, então, arrumaram a defasagem num prazo de dois dias. A Arc alterou ao menos 63 itens da planilha de custos.

A mudança nos custos dos itens após a apresentação da proposta no pregão foi contestada pelas empresas eliminadas e criticada pela maioria dos especialistas ouvidos pela reportagem. Tamasauskas disse que, em casos de erros, é possível permitir a retificação da planilha antes de sua homologação.

"No entanto, o órgão público não pode em um momento ser rigoroso ao ponto de recusar o registro do Crea com capital social desatualizado e, em outro, permitir uma planilha com valores corrigidos. É como um juiz de futebol que ora é rigoroso para um time e ora é brando para o outro. Isso traz desconfiança ao processo licitatório", disse o especialista.

No fim de julho, antes mesmo que as empresas desclassificadas contestassem suas eliminações, a CET anunciou à imprensa que faria uma força-tarefa com as novas detentoras dos contratos nos semáforos danificados da cidade. Em nota à época, a CET celebrou a postura das empresas vencedoras que "concordaram em antecipar o início do trabalho mesmo sem a garantia da assinatura dos contratos".

Com a decisão desta terça, os lotes 1 e 3, que haviam sido assinados com as empresas Meng e Arc, foram suspensos.
 

A CET e as empresas vencedoras afirmaram, na ocasião, que cumpriram rigorosamente o que estava previsto no edital da licitação e negaram formalidade excessiva, apontada por parte das empresas ao longo do processo. Elas afirmam ainda que as doações foram feitas de maneira transparente.

Quanto à eliminação da empresa Kapsch, a CET argumenta que a própria empresa causou sua eliminação ao apresentar uma certidão do Crea que estava "nula". "A certidão emitida pelo Crea do Rio de Janeiro perderá a validade, caso ocorra qualquer modificação posterior dos elementos cadastrais nela contida e, desde que não represente a situação correta atualizada do registro", disse João Octaviano Neto, presidente da CET, citando a certidão do CREA apresentada pela empresa que foi eliminada. "Eles nos entregaram uma certidão que é nula, não há o que interpretar", disse João Octaviano. Para o presidente da CET, a decisão desta terça-feira será derrubada na Justiça. 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
 

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