Tanto na campanha eleitoral como depois de eleito, o prefeito João Doria (PSDB) se apresenta como um "gestor". Com mais de oito meses na prefeitura, ele enfrenta agora um teste para o rótulo, em meio a atrasos em contratações de serviços vitais.
A demora em licitações já causou de falhas em semáforos à falta de limpeza nos parques. A gestão tucana diz ter herdado contratos vencidos da administração de Fernando Haddad (PT) e cita também decisões de órgãos fiscalizadores e da Justiça que têm barrado alguns processos.
No primeiro semestre deste ano, por exemplo,São Paulo enfrentou uma onda de semáforos apagados por falta de manutenção, após o vencimento de um contrato no final do ano passado, ainda na administração petista.
O edital do pregão para este tipo de sinalização foi lançado em maio, mas sofreu uma série de percalços. Foi questionado pelo TCM (Tribunal de Contas do Município), que apontou falta de detalhamento, depois foi suspenso e, somente em julho, realizou-se um novo pregão.
No fim de agosto, ainda foi parcialmente suspenso pela Justiça por suspeita de direcionamento na concorrência.
O desembargador do TJ que julgou o caso afirmou que o atraso na contratação foi "aparentemente criado pelo próprio ente público" e que a demora do pregão, por problemas anteriores da própria administração, "não pode representar um salvo-conduto para eventual direcionamento concorrencial".
OUTROS PROBLEMAS
Os problemas estão também nos contratos para a zeladoria de parques. Muitos deles venceram entre o fim do ano passado e o começo deste ano, segundo informações do antigo secretário do Verde, Gilberto Natalini (PV).
Em abril, foram abertas 14 licitações, mas o TCM barrou processos e houve questionamentos das empresas.
Sem manutenção, muitos espaços apresentam mau estado de conservação. A prefeitura afirma ter feito mutirões para realizar este tipo de serviço nas áreas verdes.
Mas, nos bastidores, a equipe de Doria elenca os problemas nas contratações como um dos aspectos que pesaram na demissão de Natalini, além de questões partidárias.
No último ano da gestão de Haddad, a cidade também sofreu devido a contratos vencidos de limpeza e segurança nos parques. E, antes de assumir, Doria disse que a cidade era um "lixo vivo".
A zeladoria é uma das principais bandeiras da gestão, no momento em que Doria trava disputa interna no PSDB com o governador Geraldo Alckmin para a escolha do candidato do partido nas eleições à Presidência no ano que vem. Alckmin teve papel decisivo na escolha de Doria como candidato na disputa municipal.
"Isso de ser dizer gestor e não político é pura retórica", afirma o professor de administração pública da FGV Marco Antônio Teixeira. Ele ressalta a diferença entre a gestão pública e a do setor privado, de onde vem Doria. "O tempo é maior porque o cuidado tem que ser maior."
Para ele, a alternância de governos pode influenciar nos atrasos. "O que era prioridade para a gestão anterior pode não ser para a atual. Até as equipes se adequarem demora um pouco", diz o professor.
SERVIÇOS AMEAÇADOS
Em comum entre contratações que sofrem atrasos devido a decisões do tribunal de contas ou da Justiça, está a identificação problemas técnicos nos processos.
No início de agosto, por exemplo, a licitação para manutenção e reparos em prédios do município, avaliada em R$ 384 milhões, foi barrada por um mês por liminar pedida por uma empresa.
A Justiça aceitou o pedido devido à ausência de audiências públicas, obrigatória em contratações desse porte.
Atualmente, a cidade ainda corre o risco de ficar sem contrato de varrição de ruas devido a demora para que a licitação fosse realizada.
O vencimento do acordo em vigor será em dezembro, mas a contratação ainda não foi concretizada.
A prefeitura pretendia fazer um pregão eletrônico, uma modalidade mais rápida. Mas mudou de ideia.
A Folha apurou que as atuais prestadoras de serviço, a Soma e a Inova, ameaçaram boicotar este formato. Por isso, a prefeitura resolveu fazer uma concorrência pública convencional, mais lenta.
A gestão Doria diz que cumprirá o prazo. Mas quem atua no setor diz que dificilmente um contrato deste porte, avaliado em cerca de R$ 1 bilhão por ano, sairá antes do ano que vem.
Além disso, a prefeitura não finalizou a novela da bilionária PPP (parceria público-privada) da iluminação pública, que já se arrasta desde a gestão Haddad.
O contrato atual vence neste mês e providências estão sendo tomadas para que o serviço não seja afetado, diz a prefeitura. "O governo passado [Haddad] não conseguiu. Nós faremos. E é para já", afirmou Doria, em maio, prometendo finalizar o processo no segundo semestre.
A licitação de R$ 7,3 bilhões prevê a troca dos pontos de luz da capital paulista por lâmpadas de LED, que duram mais e são mais econômicas.
OUTRO LADO
A gestão João Doria (PSDB) afirmou que os atrasos dos contratos da cidade não são culpa da atual administração.
Em nota, a prefeitura diz que assumiu parte dos "serviços essenciais" sem contratos. Cita manutenção de semáforos e a zeladoria de parques.
"Em oito meses, foi necessário realizar estudo técnico, cumprir etapas e prazos legais de acordo com as leis que regem as modalidades contratuais", informa a gestão. A nota afirma ainda que os processos são barrados por órgãos fiscalizadores e questionamentos de empresas.
Sobre os semáforos, a gestão diz que logo no início do ano começou a ser elaborado o edital para a manutenção dos equipamentos. Foi exigida a garantia do serviço de reparos dos semáforos e, em julho, houve força-tarefa com reparos em 175 equipamentos.
A administração afirma que também recebeu os parques sem contrato de manutenção e fez 14 licitações. "Algumas licitações foram suspensas para análise do Tribunal de Contas, e as empresas interessadas abriram representações com questionamentos."
Dos 14 processos, quatro foram finalizados, três estão suspensos e sete tramitam.
No caso da licitação para manutenção dos prédios, a empresa que pediu a liminar que barrou o processo desistiu da ação. "É aguardada a publicação pela Justiça da desistência para o imediato prosseguimento", diz a gestão.
A respeito da PPP da iluminação, a administração afirma que o TCM autorizou a retomada do certame em julho. "A prefeitura entrou com ação contra uma das empresas participantes, pelo fato de ela ter sido declarada inidônea. Para realizar a abertura dos envelopes, a prefeitura aguarda o julgamento do mérito de uma ação movida pela empresa para tentar participar do certame."
A prefeitura afirmou que o contrato de iluminação vence no fim de setembro e que "as providências para a continuidade dos serviços estão sendo adotadas."
A assessoria do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou que "deixou todos os contratos passíveis de renovação e muitos deles com licitações em andamento."
"É no mínimo curioso que no nono mês de gestão, a atual administração ainda procure atribuir responsabilidades a gestão anterior. Muitos dos contratos, o da manutenção dos semáforos, por exemplo, não foram renovados por opção desta administração", diz nota da gestão anterior.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo