Símbolo de Doria, varrição de rua recua no 1º semestre em São Paulo

ARTUR RODRIGUES –  FOLHA DE S. PAULO

Antes de assumir a prefeitura, João Doria (PSDB) definiu São Paulo como "lixo vivo", numa crítica aos problemas de zeladoria da cidade. Em seu primeiro semestre como prefeito, porém, a quantidade de toneladas varridas na capital paulista recuou.

Dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que a gestão Doria recolheu 6% menos toneladas de sujeira em São Paulo nos primeiros seis meses do ano em relação a igual período de 2016, na gestão Fernando Haddad (PT).

A limpeza das ruas é uma das bandeiras de Doria, que se vestiu de gari e obrigou seu secretariado a fazer o mesmo. O uniforme se tornou um símbolo da operação Cidade Linda, um mutirão de embelezamento de áreas públicas.

O programa lançado por Doria e a ênfase dada ao tema em discursos e divulgações, no entanto, não foram suficientes para fazer o recolhimento de lixo decolar.

Os dois consórcios responsáveis pelo serviço, Sola e Inova, recolheram no primeiro semestre 45.427 toneladas, contra 48.332 toneladas no mesmo período de 2016.

A conta inclui o lixo retirado pelos garis e o que a população joga nas lixeiras da cidade, além do recolhido de pontos viciados de descarte.

A gestão Doria atribui o menor volume a um programa de redução de descarte irregular, entre outros fatores. Também admite corte de 4,4% no valor dos contratos, mas diz que os serviços não foram diminuídos por isso.

Em fevereiro, a Folha mostrou uma queda na varrição logo no primeiro mês da administração tucana. Naquela época, Doria culpou o desaquecimento da economia.

"Com o declínio da situação econômica você usa menos carro, consome menos combustível, gasta menos produtos e alimentos na tua casa e você tem uma redução proporcional de lixo na cidade", afirmou o prefeito.

No entanto, o PIB (Produto Interno Bruto) do país nos dois primeiros trimestres deste ano foi positivo. Em 2016, o índice ficou no vermelho.

Nos últimos dois meses do semestre, houve uma leve alta na quantidade de lixo recolhida na comparação com os mesmos meses do ano passado –6% em maio e 1% em junho. O acumulado do ano, porém, permanece negativo em quase 3.000 toneladas.

O novo recuo ocorre após queda da limpeza também sob Haddad. Em 2012, último ano da gestão Gilberto Kassab (PSD), a prefeitura varreu 133 mil toneladas de lixo; em 2015, foram 107 mil; no ano passado, 95,8 mil toneladas.

CADÊ O GARI

O distrito com mais reclamações ao telefone 156 da prefeitura é o Tremembé, no extremo norte, nas bordas da Serra da Cantareira.

Em uma das principais ruas do bairro, a Maria Amália Lopes de Azevedo, é fácil ver o motivo. Embalagens longa vida, pacotes de cigarro, um saco de pipoca vazio e uma tomada velha estão entre os obstáculos nas calçadas.

"Nunca vi um gari aqui. Quem varre sou eu", afirma Jaciara da Silva, 42, que trabalha em uma padaria na rua. "Algumas pessoas até brincam que eu fui contratada pela prefeitura", completa, de vassoura em punho.

Ali perto, a doméstica Sônia Maria Silva, 51, diz que já se acostumou a tomar o ônibus cercada de lixo. "A situação varia de sujo a imundo."

No centro, moradores e comerciantes até dizem ver garis, mas que o serviço é insuficiente. A aposentada Maria José Mishida, 58, que passeia com o cachorro na praça Marechal Deodoro, em Santa Cecília, diz que os funcionários limpam só parte do local.

"Há dois meses, o pessoal que limpava a parte gramada deixou de vir, e só vêm os que limpam a calçada. Desde essa época está desse jeito", afirma, apontando para o gramado coberto de sujeira.

Na rua dos Gusmões, também no centro, é impossível andar pelo passeio perto da av. Rio Branco. Pedestres atravessam a rua ou andam no espaço reservado aos carros.

"Por ser uma região em que circula muita gente, a prefeitura deveria passar mais vezes para varrer aqui", diz o comerciante Pedro Luís Lima, 57.

Segundo ele, uma mureta feita pela prefeitura neste ano diminuiu ainda mais o espaço dos pedestres e transformou o lugar num refúgio para viciados em crack.

CONTRATO

O contrato de varrição da cidade vence em dezembro, mas a prefeitura ainda não fez a licitação do serviço.

A administração Doria pretendia lançar um pregão eletrônico, mais ágil. Diante da pressão das atuais prestadoras de serviço, recuou e resolveu fazer uma concorrência nos moldes tradicionais.

Quem atua no setor diz que a prefeitura dificilmente conseguirá finalizar esse processo até o final do ano, o que pode obrigar a cidade a recorrer a um contrato de emergência.

OUTRO LADO

A gestão Doria (PSDB) diz que não diminuiu a varrição e atribui a quantidade menor de lixo a fatores que vão da conscientização da população a um programa que coíbe descarte irregular.

A prefeitura elenca como fator "mais tangível" para a queda a implantação do Controle de Transporte de Resíduos Eletrônico, em março. O programa coíbe descarte irregular da construção civil, elevando os detritos que vão para aterros.

Após perguntar sobre qual foi a diminuição do lixo varrido e ouvir 2.900 toneladas como resposta, o diretor de gestão de serviços da Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana), Evaldo Azevedo, disse: "De janeiro a julho, reduzimos o descarte irregular em mais ou menos 580 pontos. São pontos que têm em média 5 m³ de resíduo. A gente pode, numa conta aí, achar 3.000 toneladas de resíduos que nossa varrição deixa de fazer na rua".

A queda na varrição ocorria antes da criação do sistema de controle, em março. No mês seguinte, o lixo recolhido caiu 17%. Em maio e junho, houve ligeira alta.

Em fevereiro, Doria culpou a economia pela queda do lixo varrido. Questionada agora, a gestão disse que "não houve tempo" para que "a pequena retomada econômica fosse refletida nos hábitos de consumo e descarte da população".

No início do ano, Doria anunciou corte de 15% em todos os contratos. A Amlurb diz que a redução, no caso do lixo, ficou em 4,4%. Os consórcios Soma e Inova foram questionados pela Folha se os cortes do contrato influenciaram o serviço, mas não se manifestaram.

A gestão tucana afirma não ter intenção de elevar a quantidade de sujeira recolhida, mas de diminuí-la com menor descarte de lixo na rua. O programa Cidade Linda, diz a assessoria, ajudaria nesta finalidade.

Sobre críticas de que a cidade segue suja, o diretor da Amlurb disse que a percepção de sujeira de cada pessoa "é muito íntima".

Em relação ao centro, afirmou que essa região tem mais equipes devido ao grande fluxo de pessoas.

A gestão também disse que fiscaliza as empresas de varrição –só neste ano 2.000 multas foram aplicadas por problemas na limpeza.

"O motivo foi o não recolhimento dos detritos provenientes de varrição dentro do prazo de quatro horas após o término do turno de serviços", divulgou em nota a administração.

Evaldo Azevedo afirma que a prefeitura pretende contratar empresa para monitorar a limpeza da cidade –a ser feita pelos consórcios vencedores da licitação.

O atual contrato vence em dezembro. Azevedo afirmou que o edital para o serviço deve ser lançado neste mês.

O diretor da Amlurb disse que constará desse novo contrato o aumento da varrição mecanizada, considerada mais eficiente.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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