Pais criticam redução de atendimento de parte das crianças para atender outras, sem investimento em novas vagas. Gestão usou menos de 10% do orçamento deste ano para construção de novas Emeis
por Rodrigo Gomes, da RBA – Rede Brasil Atual
A gestão do prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), está ampliando o corte no ensino integral denunciado pela RBA na semana passada. As Escolas Municipais de Ensino Infantil (Emei) Antonio Raposo Tavares, Paulo VI e Rodolfo Trevisan, na Diretoria Regional de Educação (DRE) de Pirituba, estão comunicando os pais que no próximo ano não haverá mais período integral. As crianças de 4 e 5 anos serão divididas em dois turnos, das 7h às 13h ou das 13h às 19h.
A situação é a mesma das Emeis Antonio Figueiredo Amaral e Alceu Maynard, localizadas na DRE do Ipiranga. Já os Centros Municipais de Ensino Infantil (Cemei) Dom Gastão e Coração de Maria vão deixar de atender crianças no ensino infantil integral.
A Emei Rodolfo Trevisan atende hoje 145 crianças em período integral. A Antonio Raposo Tavares tem 322. E a Emei Paulo VI tem 224. A expectativa da gestão Doria é praticamente duplicar o número de crianças matriculadas nessas escolas. No caso das Emeis Antonio Figueiredo Amaral e Alceu Maynard, as unidades vão receber as 84 crianças que deixarão de ser atendidas na educação infantil do Cemei Dom Gastão. As crianças do Cemei Coração de Maria vão para a Emei Monteiro Lobato, que já funciona em período parcial.
A medida preocupa os pais que hoje têm as crianças atendidas em período integral e organizaram a rotina de trabalho e cuidados nessa condição. O zelador de condomínio João Lima de Souza, pai de um aluno do Cemei Dom Gastão, avalia que a prefeitura não deveria prejudicar crianças para conseguir vagas para outras. “Não é justo fazer isso. O correto é abrir mais vaga construindo creche. E não tirando o pouco atendimento integral que já tem”, criticou.
João destacou que hoje conta com o auxílio de seu empregador, que permite a saída no fim da tarde para pegar o filho de 4 anos no Dom Gastão, que fica bem perto do local onde trabalha. “Vai ficar muito difícil se o menino for para outra escola, mais longe e com só um período. Eu espero muito que o prefeito repense isso, vou torcer muito. Não sei como vai ser”, lamentou. Na sexta-feira passada, mães de alunos dessa unidade protestaram contra o encerramento do atendimento a crianças de 4 e 5 anos.
A diarista Lindalva Ribeiro, cuja filha de 5 anos estuda na Emei Antonio Figueiredo Amaral, está indignada. "É um absurdo fazer isso. Não se pode garantir a educação de alguns prejudicando o que os outros já têm. Eu já tenho de deixar minha filha com uma moça, porque entro às 7h no serviço e a escola só abre às 8h. Como vou fazer pra pegar ela no meio do dia?", questionou. Pelo cuidado ela paga R$ 100 por mês. "Vou ter que pagar mais."
Não é a primeira vez que a administração municipal sacrifica a educação de algumas crianças para garantir vagas de outras – e assim "cumprir" promessas de campanha. No início do ano, fechou salas de leitura, brinquedotecas e outros espaços em 33 escolas para abrir salas de aula. Ao mesmo tempo, o prefeito mantém congelada ou não executada a maior parte do orçamento municipal destinado à construção de CEIs, Emeis e unidades educacionais.
Dos R$ R$ 14,8 milhões reservados a novas Emeis, só R$ 1,3 milhão foi liquidado desde o início da gestão. E dos R$ 110,4 milhões para construção de creches, R$ 61,5 milhões estão congelados e só R$ 12,5 milhões foi liquidado.
Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, João Doria está preocupado apenas em apresentar números para a população. “Doria trata a educação como problema a ser resolvido como variável eleitoral, em números. Não vê a educação como política capaz de elevar o desenvolvimento da cidade”, afirmou. “A gestão Doria já reduziu espaços de atividades para aumentar vagas. Agora propõe reduzir o horário em nome de uma expansão (de vagas) completamente duvidosa, desvinculando o número de matrículas da qualidade da educação”, completou.
A conselheira tutelar Lualinda Toledo considera que a medida afeta diretamente os direitos das crianças. “Acompanhamos várias situações em que os pais são obrigados a deixar os filhos sozinhos ou com terceiros. É uma situação que prejudica o desenvolvimento, a alimentação saudável. Vai causar muito problema, porque eles (os pais) trabalham o dia todo. Não podem ter de escolher entre trabalhar e cuidar das crianças”, afirmou ela. Segundo Lualinda, o conselho tutelar da região vai emitir posicionamento ao Ministério Público e à Câmara Municipal.
Em nota, a Secretaria Municipal da Educação agora admite estar reduzindo o ensino integral na educação infantil para acomodar a exigência de universalização da pré-escola.
"Desde dezembro de 2016 todos os municípios brasileiros são obrigados a universalizar a educação infantil na etapa pré-escola. São Paulo só conseguiu cumprir a lei em maio deste ano.
O padrão de atendimento nas EMEIs é de 6 horas. Quando a demanda permite, é possível organizar as escolas em um turno único de 8 horas. Todas as unidades em período integral foram assim organizadas até 2012.
A política da Secretaria Municipal de educação visa a preservação e/ou ampliação do projeto de educação integral nas EMEIs onde a demanda assim permitir, a universalização desta etapa de ensino for garantida e onde a implantação não significar a elevação do número de alunos por sala de aula acima do indicado;
Anualmente é feita a organização das escolas. O estudo feito pelas DREs, a partir dos parâmetros definidos pela secretaria indica a passagem de 5 escolas em um período de 08 horas para dois períodos de 6 horas. E a passagem de 03 unidades hoje funcionando em dois períodos de 6 horas para o período integral de 8 horas diárias.
Também em 2018 será eliminado o terceiro turno nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) em toda a cidade. Assim 4 escolas na região da Capela do Socorro que Ainda funcionavam em três turnos de 4 horas passarão a funcionar em dois turnos de 6 horas."
Corte de professores
No final da semana passada, a Secretaria Municipal da Educação publicou a portaria 7.663/2017, que reduziu o número de professores sem regência – aqueles que atuam como substitutos ou no apoio aos docentes com turma determinada. Antes, pela portaria 4.194/2008, para Educação Infantil e Ciclo I do Ensino Fundamental, os módulos eram os mesmos, sendo: de 2 a 4 classes: 1 professor; de 5 a 8 classes: 2 professores; de 9 a 14 classes: 3 professores; mais de 14 classes: 4 professores.
O novo modelo foi subdividido. Nas creches, até 10 agrupamentos por turno: 1 professor; de 11 a 20 agrupamentos por turno: 2 professores; de 21 a 30 agrupamentos por turno: 3 professores; e mais de 30 agrupamentos por turno: 4 professores. Na pré-escola e no Ensino Fundamental I: até 2 classes: nenhum professor; 3 a 5 classes: 1 professor; 6 a 10 classes: 2 professores; 11 a 17 classes: 3 professores; mais de 18 classes: 4 professores.
O Fórum Municipal da Educação elaborou um manifesto de repúdio à medida, ressaltando que em algumas unidades a portaria poderia reduzir o número de professores em 50%. “Ações como esta evidenciam a ausência de uma política pública respeitosa, humana e democrática que considere os professores, uma vez que não assegura condições formativas, físicas, emocionais, psíquicas, para que possam desenvolver um bom trabalho. A desvalorização dos profissionais de educação, a precarização das condições de trabalho em CEIs e EMEIs, afetam diretamente a qualidade no atendimento de bebês e crianças nas unidades”, diz o documento.
Organizações sindicais da educação também rechaçaram a medida. Na manhã de ontem (27), o secretário Municipal da Educação, Alexandre Schneider, recebeu os representantes dos trabalhadores em educação e prometeu rever a medida. Uma nova portaria deve ser publicada até o início da próxima semana.
Matéria publicada na RBA – Rede Brasil Atual.