BRUNO MOLINERO – Revista da Folha São Paulo
Ao dirigir pela marginal e olhar o rio que acompanha os automóveis, é difícil acreditar que aquele lugar já foi a melhor opção da cidade para um feriado ou dias quentes. Até os anos 1930, não eram as praias ou as cachoeiras que faziam a cabeça dos paulistanos -todo mundo gostava mesmo era de dar um mergulho no rio Pinheiros.
Moradores nadavam, passeavam de barco e apostavam corridas de remo no curso d'água. Nas margens, os cercadinhos chamados de cochos predominavam e garantiam a segurança de quem praticavam natação. Algo impossível hoje. Embora o rio passe por regiões valorizadas das zonas sul e oeste de São Paulo, ele lembra mais um esgoto de aparência podre e atmosfera mal cheirosa do que um espaço de lazer.
Mas um grupo de publicitários deseja trazer de volta esse espírito. Para isso, criou uma campanha pela despoluição do rio, lançada no fim do mês passado e batizada de #VoltaPinheiros. A ideia é chamar a atenção da sociedade, da iniciativa privada e do poder público, para depois elaborar um plano que consiga recuperar a saúde das águas.
"Somos publicitários. Sabemos fazer campanhas, sensibilizar pessoas, provocar o paulistano que nem se lembra que existe um rio ali. Mas não sabemos limpar as águas. Por isso, estamos reunindo parceiros", diz André Curi, da agência Leo Burnett Tailor Made e um dos idealizadores do projeto.
Artistas como Thaíde, Jairzinho, Gabriela Duarte e Marina Klink embarcaram na proposta e participaram de vídeos para popularizar a campanha. Reuniões com ONGs e empresários da região também estão sendo marcadas, mas nenhuma parceria foi formalizada até o momento. De concreto, há apenas um abaixo-assinado virtual que pode ser acessado na rede social da iniciativa: https://www.facebook.com/voltapinheiros.
"No dia 24 de novembro, entregaremos o documento para a prefeitura e o governo estadual. A partir daí, começa o movimento de pressão, para que eles tomem alguma providência", conta Nicolau Attallah, outro dos idealizadores. Em dez dias, mais de 4.400 pessoas assinaram a proposta.
MISSÃO IMPOSSÍVEL?
Mas será mesmo viável limpar um local tão sujo e degradado? "Tenho convicção de que sim", afirma Stela Goldenstein, que atuou como diretora-executiva da ONG Águas Claras do Rio Pinheiros e é consultora da nova campanha. "Mas é um desafio grande. Não basta olhar apenas o rio. Estamos falando de uma bacia hidrográfica cheia de trechos degradados e áreas sem saneamento."
A deterioração da paisagem começou já na década de 1930, quando grandes obras de infraestrutura passaram a ser realizadas com o objetivo de retificar o curso do Pinheiros, drenar os brejos e enterrar os córregos próximos. Antes cheio de curvas e zigue-zagues que se estendiam por 40 quilômetros, o rio ficou reto -hoje, a extensão do canal é de 25 quilômetros e permitiu que as antigas áreas de várzea se tornassem regiões nobres.
Mesmo assim, até a década de 1970 ainda era possível encontrar quem caçasse e pescasse por ali. "A rápida expansão da cidade e da região metropolitana, com áreas sem saneamento e tratamento de esgoto, colaborou com o aspecto atual", completa Stela.
Até 2014, por exemplo, 40% do esgoto da região ainda era despejado no Pinheiros. De acordo com dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), o índice de qualidade das águas em praticamente todos os pontos analisados pela empresa é considerado péssimo -a escala tem cinco níveis, de péssimo a ótimo.
Para o cenário começar a mudar, Stela defende três etapas: tratar completamente o esgoto de São Paulo e das cidades vizinhas, recolher efetivamente o lixo das ruas e criar mais áreas verdes. "A impermeabilização da cidade ajuda na poluição do rio. O solo filtra poluentes e faz com que a água chegue mais limpa aos córregos e ao lençol freático."
É um movimento lento e caro. Mas é um primeiro passo para que o Pinheiros volte a ter cochos e a receber paulistanos de sunga e biquíni nos dias de sol.
COMO ADERIR AO PROJETO
Participando do abaixo-assinado para pressionar o poder público a limpar o rio (instruções em facebook.com/voltapinheiros ). Para fazer mais e participar das reuniões, o e-mail é contato@voltapinheiros.com.br.
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RAIO-X DO RIO PINHEIROS
25 km
Extensão atual do Pinheiros
40 km
Trajeto que percorria antes de ter partes aterradas e várzeas drenadas, na década de 1930
85 m
Largura média do rio
4,5 m
Profundidade média
Péssimo
Índice de qualidade das águas em quase todos os pontos do Pinheiros, segundo a Cetesb. Escala tem cinco níveis e vai de péssimo a ótimo
Matéria publicada na Revista da Folha São Paulo.