GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO
A gestão João Doria (PSDB) prevê entregar os mercados municipais de São Paulo à iniciativa privada por um período de, no mínimo, dez anos. O modelo de concessão permitirá a exploração publicitária nas unidades e os atuais donos de bancas poderão se associar entre eles ou a outros investidores.
A contrapartida será investir até R$ 90 milhões em obras nos 14 espaços comerciais distribuídos por São Paulo. Essas características estão previstas nas futuras licitações para a desestatização dos mercados.
O principal deles é um dos pontos turísticos da cidade: o Mercadão, no centro, que chega a receber 20 mil pessoas toda semana em busca de produtos que vão de frutas e legumes a chope, sanduíches de mortadela e pastéis.
Na semana passada, a Câmara Municipal aprovou um pacote de concessões que inclui o Mercadão e outro mercado em frente a ele. A entrega à iniciativa privada de outros 12 será apresentada em novo projeto, que terá prazo de seis meses para ser feito.
De acordo com o secretário de Desestatização, Wilson Poit, os principais pontos do processo de concessão dos mercados já estão fechados. Os atuais permissionários fizeram pressão para alterações no projeto. Eles temem perder o negócio, já que possuem um termo de permissão de uso (TPU) que pode ser cancelado pela administração a qualquer momento.
Já urbanistas apontam risco de descaracterização dos mercados caso as regras não sejam muito bem definidas no edital (leia abaixo).
Atualmente, donos de boxes pagam uma espécie de aluguel mensal à prefeitura –no Mercadão, por exemplo, o valor médio é de R$ 460 por m². Já no Mercado Municipal da Penha (zona leste), R$ 137/m². "Não queremos mexer com permissionários", disse Poit à Folha.
De acordo com o secretário, os comerciantes poderão, por exemplo, se juntar em consórcios com uma ou mais empresas que quiserem assumir a administração dos espaços. Poit acredita que a licitação dará fim ao mau estado de conservação dos mercados em geral.
Segundo ele, R$ 90 milhões é o valor estimado para obras de revitalização interna e externa dos espaços, que terão de ser feitas logo no início da concessão. "Esse investimento a prefeitura não tem, já que vai direcionar verbas para áreas essenciais. Cuidar de frutas e verduras, o privado sabe fazer bem." A administração espera dar fim a problemas estruturais que vão de vazamentos e panes elétricas a escadas rolantes quebradas há anos.
Se a concessão for adiante, deverão ser refeitas as partes elétrica e hidráulica de todos os mercados, novas redes de esgoto –há unidades que lançam dejetos diretamente nos rios, diz a gestão– e melhorias na acessibilidade. Nesta semana, o Mercado de Santo Amaro, por exemplo, sofreu um incêndio.
Os concessionários terão também que garantir áreas de estacionamento para coibir a ação de flanelinhas. Além disso, concessionários estarão liberados para promover ações de marketing internas, respeitando a Lei Cidade Limpa, e eventos gastronômicos –por exemplo, uma marca de cerveja pode fazer propaganda nas unidades em troca de patrocinar um evento.
Outra expectativa é ampliar o número de bancas, já que há espaço ocioso. Atualmente os aluguéis cobrados de permissionários conseguem manter o funcionamento -se as despesas giram em torno de R$ 2 milhões anuais, a arrecadação com TPU chega a R$ 8 milhões. No entanto, diz o secretário, a manutenção é precária.
A Folha apurou que será necessário ainda conter irregularidades aferidas por técnicos da prefeitura, como o comércio ilegal de boxes e a venda de serviços de segurança, ambos ilegais.
Nas estimativas mais otimistas, até o final do ano será publicado o Procedimento de Manifestação de Interesses (PMI), instrumento para atrair investidores. Já os processos de licitação devem ocorrer a partir do ano que vem.
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Raio-x das 14 unidades hoje
– Cerca de 1.000 comerciantes
– 90% de ocupação dos boxes
Exemplos de valores dos aluguéis
– R$ 460 por m² no Mercadão
– R$ 137 por m² no mercado da Penha
Principais problemas
– Falta de redes de esgoto em algumas unidades
– Vazamentos
– Estacionamentos insuficientes
– Boxes ociosos
– Comércio irregular de boxes
MEDO
Mesmo com a promessa de continuidade dos atuais comerciantes, donos de boxes nos mercados estão apreensivos. Para eles, não há nenhuma garantia de manutenção dos atuais permissionários, já que só uma licitação definirá os ganhadores.
José Carlos Freitas, 55, tem permissão para atuar no Mercadão há 13 anos. "Há preocupação das pessoas em perder seus espaços e de sermos mais onerados também. Temos consciência que o TPU pode ser retirado a qualquer tempo. Além disso, não sabemos quem serão os adversários", disse ele, que integra a associação de comerciantes.
Ele diz defender o investimento no mercado, algo que não é feito desde a gestão Marta Suplicy (2001 a 2004), à época no PT. Os permissionários defendem a chance de explorar estacionamentos e fazer publicidade dentro das unidades.
"Nós [donos de banca] pagamos uma espécie de condomínio para bancar a manutenção, que chega a R$ 1 milhão por mês. Só com banheiro, são gastos R$ 100 mil mensais", afirmou.
Para o vereador José Police Neto (PSD), que participou das discussões sobre o tema no Legislativo, a licitação terá que garantir que os mercados não percam suas características. "O que não pode é a concessão transformar mercados em shoppings e garantir os preços", disse.
DESCARACTERIZAÇÃO
Somente regras rígidas de concessão podem garantir não só as chances de participação dos atuais donos de bancas, mas também preços e qualidade dos produtos naturais, além de um sistema de proteção que evite a descaracterização desse tipo de comércio com importância histórica para a cidade.
Essa é a opinião de arquitetos ouvidos pela Folha. Segundo eles, mudanças nos mercados em outros países causaram descaracterização, independentemente do modelo administrativo.
"O Les Halles, em Paris, teve um projeto desastroso no passado que mudou suas características", disse a arquiteta Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo. O mercado do século 12 deu espaço a um shopping nos anos 1970. No entanto, um projeto recente está revitalizando o local, que ganhou restaurantes e espaços culturais com a ação da iniciativa privada.
Outro perigo de uma concessão com regras brandas é o impacto na qualidade dos alimentos, segundo o arquiteto Kazuo Nakano, professor do centro universitário Belas Artes. "Meu receio maior é que esses mercados privatizados se tornem equipamentos de obtenção de lucros com alimentos naturais, gerando alta do preço", disse.
Esse aumento, segundo ele, pode gerar fechamento de mercados. "Por preço melhor, os consumidores dessas regiões vão buscar basicamente os supermercados, que oferecem poucos alimentos naturais, de menor qualidade, levando ao consumo de industrializados", afirmou Nakano. Ambos concordam que a manutenção de permissionários é fundamental para garantia da qualidade.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.