GUILHERME SETO – FOLHA DE S. PAULO
O projeto de privatização do autódromo de Interlagos proposto pela gestão João Doria (PSDB) foi aprovado nesta quarta-feira (8) em primeira votação na Câmara Municipal de São Paulo. O projeto de lei ainda precisa passar por segunda votação no Legislativo antes de ser encaminhado à sanção do prefeito.
O projeto recebeu 37 votos favoráveis, 9 contrários e uma abstenção, sendo que precisava de apenas 28 votos para ser aprovado. A despeito de algumas reparações de vereadores da base de sustentação do governo, o projeto teve apoio massivo dos parlamentares aliados.
As concessões e privatizações estão na linha de frente do plano político de Doria, que trava disputa interna no PSDB com o governador Geraldo Alckmin para a escolha do candidato do partido à Presidência nas eleições de 2018. Alckmin teve papel decisivo na escolha de Doria como candidato tucano na disputa municipal.
Na Câmara, Doria já conseguiu as aprovações da concessão do Pacaembu e de parques, Bilhete Único, terminais de ônibus e Mercadão. Em seu pacote de privatizações ainda estão o complexo do Anhembi (cuja concessão já foi aprovada em primeira votação), cemitérios, mobiliário urbano e imóveis. A gestão tucana planeja passar a operação da maior parte desses equipamentos públicos para a iniciativa privada a partir dos primeiros meses de 2018.
Na próxima semana, é provável a segunda votação da privatização do Anhembi.
O projeto de lei que prevê a alienação da área de quase 1 milhão de m² estabelece que o autódromo de Interlagos terá que ser preservado. No caso do kartódromo, não há a mesma restrição.
Na prática, a aprovação do projeto de lei abrange apenas a liberação da privatização do autódromo de Interlagos. As intervenções mais significativas na região dependem da aprovação de um projeto de lei que institui a Operação Urbana Jurubatuba, liberando, por exemplo, a construção de grandes torres no bairro, com até oito vezes a área do lote. Esse projeto ainda está em elaboração.
Vereadores estimam que a venda do autódromo, somada à verba obtida pela prefeitura com os Cepacs (certificados de construção, nome técnico dado às contrapartidas), poderá dobrar o valor arrecadado com o negócio.
O projeto de lei enviado pelo Executivo foi alvo de críticas de vereadores por ser excessivamente genérico. Em reunião de líderes partidários durante a semana, o vereador Police Neto (PSD) disse que não gostaria de ter "a digital" em um projeto como aquele, o que seria o equivalente a vender "uma mentira" a possíveis interessados.
Após a votação, ele reconheceu avanços.
"O texto ainda é muito limitado, tem muitas coisas a serem decididas. Foi uma primeira sinalização que demos de que a Câmara quer privatizar o autódromo. Mas teremos ainda um longo caminho de diálogo com a sociedade e com técnicos, além de audiências públicas definidas hoje, para decidir qual é o valor do terreno, por exemplo, para que se possa tirar o máximo de retorno financeiro com a venda. Um novo bairro será criado ali, então teremos que discutir o modelo que se espera e o que a região ganhará com isso", disse Police Neto.
A prefeitura tinha interesse especial na votação da privatização do autódromo nesta quarta (8) devido ao Grande Prêmio de F-1 que acontecerá no final de semana em Interlagos. A votação sinalizaria ao mercado internacional a vontade da gestão de negociar o local.
"É um projeto que não tem volta, está indo em frente, e o principal desse projeto todo é a população ter certeza de que o dinheiro que virá está carimbado, tem endereço certo: vai para Saúde, Educação, e causas sociais. Toda aquela região Sul de São Paulo, que tem deficit de creches, de leitos de hospital, de UBSs, será beneficiada", diz Wilson Poit, secretário de Desestatização e Parcerias.
"A votação foi expressiva e mostra que o prefeito voltou a ter uma base consolidada na Câmara. Agora vamos partir para a discussão dos impactos que a venda desse autódromo pode causar na região", disse Milton Leite (DEM), presidente da Câmara.
Líder do PT na Câmara, o vereador Antonio Donato afirmou que a votação foi "apressada" para a "criação de um factóide" por parte do prefeito na semana do Grande Prêmio de F-1.
"O projeto é vago, sem estudos, sem estimativa de custos, sem Projeto de Intervenção Urbana (PIU). Absolutamente cru (…). É uma autorização da venda de Interlagos sem ter o devido valor do local. Corre-se o risco de vender 1 milhão de metros quadrados de terreno público por um valor muito abaixo", disse.
77 ANOS
O autódromo de Interlagos foi construído em 1938 pela empresa Aesa, mas a inauguração ocorreu apenas em 12 de maio de 1940. A pista original tinha 7.960 metros, hoje são 4.309 metros.
O nome Interlagos é uma referência à região suíça de Interlaken, que significa "entre lagos", pois fica entre as represas Billings e Guarapiranga. Em 1985, o autódromo foi rebatizado para José Carlos Pace, em homenagem póstuma ao piloto.
A prefeitura comprou o complexo em 1950 por 23 cruzeiros o metros quadrado, valor bem abaixo do valor real avaliado à época (300 cruzeiros o metro quadrado).
Segundo a SPTuris (empresa municipal que administra o autódromo), a realização do Grande Prêmio de Fórmula 1 na cidade injeta atualmente cerca de R$ 260 milhões na economia local.
Os técnicos da administração municipal ainda não finalizaram os estudos para a avaliação do preço de venda do autódromo.
Em entrevista no começo do ano, Doria chegou a dizer que a cessão de Interlagos e do Anhembi juntos poderia render cerca de R$ 7 bilhões para a cidade.
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Área total
1 milhão de m²
Custo de manutenção
R$ 7 milhões ao ano
AS OPÇÕES DE DORIA
A prefeitura quer privatizar a área. Há duas opções para tornar o negócio rentável:
1) Com espigões
Para ser mais atraente para investidores, Doria precisa enviar o projeto que cria a Operação Urbana Jurubatuba. Nesse caso, o limite de altura dos prédios seria de até oito vezes o tamanho do terreno
Contrapartida: Os investidores precisam pagar para construir mais. Os valores vão para um fundo que pode ser usado para investimentos na região
2) Com altura a definir
A prefeitura precisa fazer um projeto de intervenção urbana (PIU) por decreto (sem passar pela Câmara) para dar início ao plano de privatização. Nesse caso, o prefeito pode liberar, por exemplo, a construção de um complexo que colocaria o autódromo no meio de prédios residenciais, comerciais e hotéis. Porém, o limite de altura dependeria de estudo para definir a média da região
Contrapartida: A futura dona da área terá que pagar taxa para construir os prédios. Os valores poderiam ser revertidos em investimento para toda a cidade
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
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