Respirar ar de SP por 2 horas no trânsito é igual a fumar um cigarro

Trabalho inédito da USP mede a quantidade de carbono acumulada no pulmão de mortos na capital paulista

Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo

Respirar o ar de São Paulo por duas horas no trânsito é o mesmo que fumar um cigarro. Ao longo de 30 anos na capital, o pulmão dessa pessoa pode ficar igual ao de um fumante leve (que consome menos de dez cigarros por dia).

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É o que revelam dados preliminares, obtidos pelo Estado, de uma pesquisa inédita que busca comparar a exposição do paulistano durante sua vida à poluição do ar com os impactos do cigarro. O trabalho, liderado pelo médico patologista Paulo Saldiva, analisa corpos que foram levados ao Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) e mede a quantidade de carbono no pulmão, ao mesmo tempo em que investiga a vida do paciente.

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“Antigamente, quando em uma necropsia a gente via um pulmão cheio de carbono, preto, o mais provável é que se trataria de um fumante. Hoje não dá para dizer isso. E o que esse estudo está mostrando é o quanto respirar o ar de São Paulo é equivalente a fumar e tem impacto cumulativo”, explica a bióloga Mariana Veras, do Laboratório de Poluição do Ar da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

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Entrevistas feitas com familiares estão ajudando a compor esse quadro de como se dá a exposição dos paulistanos. São questões como: onde vivia, onde passou a maior parte da vida, qual era a atividade profissional, quanto tempo levava em deslocamentos no trânsito, se fumava ou era fumante passivo. “Um motorista de caminhão ou um guarda de trânsito vai ter um quadro diferente de quem só se expõe de casa ao trabalho e passa o dia inteiro no ar condicionado com janela fechada. Estamos buscando a correlação entre a quantidade de preto no pulmão, o padrão de vida e o tempo em transporte”, diz Mariana.

Pelo menos 2 mil pulmões já foram avaliados e cerca de 350 selecionados para compor o estudo – são os que contam com entrevistas mais detalhadas. Os dados ainda estão sendo tabulados e devem ser concluídos nas próximas semanas, mas foram antecipados em razão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que começou nesta segunda-feira, 4, e vai até esta terça-feira, 6, e tem como tema a luta antipoluição. 

Segundo a ONU Meio Ambiente e a Organização Mundial de Saúde, cerca de 7 milhões de pessoas morrem por ano em decorrência de poluição do ar (e metade é interna, como a de fogões a lenha e aquecimentos caseiros a carvão). Segundo as organizações, mais de 80% das cidades têm níveis de poluição acima dos recomendáveis.

A análise de São Paulo aponta que os níveis de partículas finas inaláveis (material particulado ou MP 2,5) está 90% acima dos níveis seguros, que são de 10 microgramas/m³. A concentração média anual da cidade é de 19 microgramas/m³. A ONU Meio Ambiente elegeu o combate à poluição como principal ação para se atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODSs) e também o combate às mudanças climáticas. 

“A poluição é o problema que está mais perto das pessoas. Elas sentem, respiram, é imediato. É mais provável ter impacto sobre a vida das pessoas enquanto andam ou fazem compras do que as mudanças climáticas. É uma das coisas que mais matam hoje no mundo”, afirmou ao Estado Erik Solheim, diretor executivo da ONU Meio Ambiente, durante a Conferência do Clima da ONU, em Bonn, na Alemanha, em novembro. “Por outro lado, tudo o que se faz para reduzir a poluição também é benéfico para o combate às mudanças climáticas.”

Não é de hoje que poluição afeta a rotina dos moradores. A gestora ambiental Annabella Andrade, de 50 anos, pedala todos os dias até o trabalho, mas, quando o tempo está seco, usa máscara como as de hospitais para se proteger da fuligem. “Dependendo do lugar, ainda coloco lenço por cima”, diz ela, que mora perto do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, e trabalha na Avenida Paulista, ambos na região central. 

Para reduzir o impacto da poluição, Annabella trabalha como voluntária de uma associação que quer transformar o Minhocão em um parque. “Quando o elevado está fechado, podemos abrir as janelas.” 

Dona de uma banca próxima da Estação Marechal Deodoro do Metrô, Mainara Bortolozzo, de 25 anos, também sente o impacto. “Saio imunda daqui – no rosto, nas mãos”, conta. 

Obesidade

Um problema de saúde em geral pouco relacionado com a poluição é a obesidade e também está sendo observado pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Poluição. Já havia a suspeita de que a poluição provoca desarranjo hormonal e estudos epidemiológicos relacionam os poluente a uma redução do metabolismo. 

Como isso é muito difícil de isolar e medir no nível individual, os pesquisadores trabalharam com camundongos expostos a uma concentração de MP 2,5 – semelhante à medida em média por dia em São Paulo. 

Descobriram que afeta a saciedade. “Os animais, e sugerimos que o mesmo deve ocorrer com humanos, não ficavam saciados mesmo com a quantidade habitual. A poluição diminui a sensibilidade ao hormônio lepitina, que regula a saciedade”, diz Mariana.

Três perguntas para Débora Diogo, do Comitê de Mudanças Climáticas da Prefeitura de São Paulo

Estadão – São Paulo apareceu em levantamento da OMS e da ONU Meio Ambiente como tendo uma concentração de materiais particulados 90% superior à segura à saúde. O que a cidade tem feito para melhorar esse quadro? 

Débora Diogo – Nossa aposta é na aprovação do PL 300 (projeto de lei que define alterações na frota da cidade). As propostas que foram encaminhadas pelo Comitê de Mudanças Climáticas da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, e inseridas no texto, preveem a volta da inspeção veicular e novas frotas de ônibus que adotem fontes de energia limpas e diversificadas. Com isso, a expectativa é de que haja uma redução de gás carbônico (CO2) de 50% após dez anos e de 100% em 20 anos; de 90% do material particulado em dez anos, chegando a 95% em 20 anos; e de 80% dos óxidos de nitrogênio em dez anos, chegando a 95% em 20 anos. Estamos apostando na mudança na lei, em inovações, para que São Paulo se equipare a outras cidades do mundo e a população possa contar com melhores condições de qualidade do ar. Sabemos que o investimento em transporte limpo reduz gasto com saúde pública. É um dado incontestável.

Estadão – A lei municipal de mudanças climáticas previa o transporte público limpo já para o ano que vem, o que não foi cumprido. O que fazer para melhorar a situação antes desse novo prazo?

Débora Diogo – É, mas não tinha como ser cumprida e agora teremos um tempo para mudar de fato. Por enquanto, há o incentivo da devolução parcial do IPVA para proprietários de veículos elétricos ou híbridos comprados a partir de 2014.

Estadão – E o transporte público? Há previsão de algum incentivo para que a população deixe o carro individual em casa?

Débora Diogo – A Prefeitura restringiu o acesso aos carros no centro histórico uma sexta-feira por mês. Mas são necessárias várias medidas. O Estado tem sinalizado que vai ampliar a rede de metrô.

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.

 

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