Áreas sociais estão entre as mais afetadas pelo remanejamento que, segundo a prefeitura, cobrirá gastos em saúde, subsídios ao transporte, coleta de lixo e varrição. Analistas apontam "problemas de gestão".
Desde o dia 1º de novembro, a gestão do prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), realizou R$ 2,1 bilhões em remanejamentos de valores do orçamento municipal, tirando recursos de áreas como o programa Leve-Leite, construção de corredores de ônibus, manutenção de terminais de ônibus, Construção de Centros Educacionais Unificados (CEUs), controle de enchentes, entre outras. As áreas beneficiadas por esses valores foram principalmente as prefeituras regionais, responsáveis por ações de zeladoria e tapa buraco – algumas das mais problemáticas na cidade –, atendimento ambulatorial e o subsídio ao transporte público.
Até o dia 8 de dezembro, Doria publicou 38 decretos de crédito suplementar, que remanejam o dinheiro entre as áreas da prefeitura. Créditos suplementares são remanejamentos do orçamento para uma secretaria cuja despesa de uma atividade superou a estimativa. A ação não é ilegal. O prefeito pode remanejar até 12% do orçamento total, o que seria aproximadamente R$ 6,5 bilhões na capital paulista. No entanto, o montante elevado tão próximo do final do ano foi visto como demonstração de problemas de gestão por quem acompanha as políticas públicas municipais.
Nos anos anteriores, o montante de remanejamento para o mesmo período foi bastante inferior. Em 2016, a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) remanejou R$ 735 milhões, entre 1º de novembro e 8 e dezembro. No anterior, foi 1,3 bilhão. Em 2014, foram R$ 900 milhões. E no primeiro ano da gestão, em 2013, foi R$ 1,3 bilhão. No ano com maior remanejamento próximo do final do ano, a gestão Haddad movimentou quase R$ 800 milhões a menos.
Neste ano, as principais áreas afetadas são o programa Leve-Leite, do qual Doria já tinha cortado R$ 160 milhões anteriormente. O Diário Oficial da Cidade do último dia 7 aponta a retirada de mais R$ 40 milhões do programa para diversas outras áreas. Além do benefício, houve retirada de verbas da construção de corredores de ônibus (R$ 45,6 milhões), da construção de unidades habitacionais de interesse social (R$ 63,4 milhões), de ações de educação de trânsito (R$ 75 milhões) e de obras em áreas de risco (R$ 91 milhões).
Mas o ajuste foi ainda mais amplo na construção de Centros Educacionais Unificados (CEU), de onde a gestão tirou R$ 164 milhões, apenas no último mês. Pelo menos oito CEUs estão com obras paradas na cidade. O controle de enchentes, em que recentemente Doria anunciou o programa chuvas de verão apenas com obras para depois do período de chuvas, perdeu R$ 350 milhões. O Programa de Urbanização de Favelas fecha a lista dos mais afetados pelo remanejamento, com retirada de R$ 173,8 milhões para outras áreas.
Somente a compensação tarifária do sistema de transporte coletivo da capital recebeu incremento de R$ 639,5 milhões com o remanejamento. O atendimento ambulatorial à saúde, quase todo gerido por Organizações Sociais de Saúde (OSS) foi suplantado em mais R$ 304,6 milhões. Embora pretenda privatizar a São Paulo Turismo (SPTuris), que administra o Anhembi, Doria remanejou verbas de R$ 42 milhões, no dia 2 de dezembro, para aumento de capital da empresa.
“R$ 2 bilhões é muita coisa. Isso mostra que houve algum tipo de inversão nas prioridades ou falta de planejamento. É praticamente 5% do orçamento da cidade. Em um mês fazer um deslocamento de verba desse montante mostra que alguma coisa está errada. Está claro que não existe um planejamento orçamentário coerente“, avaliou o coordenador da Rede Nossa São Paulo, Américo Sampaio. “Parece uma resposta que está querendo dar para demandas da população, como no caso da zeladoria, por exemplo“, completou.
O vereador Antonio Donato (PT) avaliou que o remanejamento está relacionado ao congelamento excessivo de verbas ao longo do ano. Hoje a gestão Doria tem R$ 13 bilhões em caixa, quase o triplo do deixado pela gestão Haddad no final do ano passado. “Estão correndo para gastar porque vai sobrar. Congelou muito acima do necessário, é uma condução orçamentária desastrosa. Isso revela um pouco de estratégia e um pouco de incompetência. Em geral, governos buscam fazer ajuste no primeiro ano, para fazer caixa. Mas a gestão fez uma leitura completamente errada da situação financeira da prefeitura“, afirmou.
Donato destacou ainda que o discurso de que havia um rombo no orçamento, da ordem de R$ 7,5 bilhões, ficou desmentido. “Não só não havia rombo algum, como a arrecadação vai superar o que foi estimado no ano passado“, completou.
Em nota, a Secretaria Municipal da Fazenda informou que a atual movimentação orçamentária “não tem relação com congelamento de verbas previamente orçadas, que podem ser utilizadas a partir de um simples descongelamento“.
“A suplementação ocorre quando, mesmo de depois de descongeladas todas as dotações orçamentárias para aquela atividade, ainda faltam recursos. É comum nos últimos meses do ano acontecer uma aceleração dos créditos suplementares, pois é quando o orçamento aprovado começa a terminar. O volume feito no último trimestre de 2017 representa cerca de 80% de todo crédito suplementar feito ao longo do ano, proporção que está em linha com o observado nos últimos anos. As atividades que concentraram quase a totalidade do destino desses créditos em 2017 foram: custeio da saúde (gestão de hospitais, UBS, etc), subsídio ao transporte público e serviços de coleta de lixo e varrição“, diz a nota.
Matéria originalmente publicada no portal da Rede Brasil Atual