Desafio de currículo nacional será levá-lo a todas as redes municipais

PAULO SALDAÑA, ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA – FOLHA DE S. PAULO

Base não é currículo. A frase, repetida por membros do governo e especialistas, simboliza um dos desafios para que o processo de definição dessa norma chegue com impacto nas salas de aula. Isso só será possível com uma prevista colaboração entre Ministério da Educação, Estados e municípios.

Enquanto a base determina, em geral, os direitos de aprendizagem de todos os alunos do país, o currículo de cada rede (ou escola) deve garantir o que está no texto nacional –mas precisa ir além. Tanto em relação a conteúdos importantes do ponto de vista da região e do histórico das escolas quanto no que se refere a estratégias do trabalho pedagógico nas salas. 

Para isso, devem, ancorados na base, construir seus currículos próprios. O prazo para essa adequação é 2020.

O processo também inclui reformulação das avaliações federais (de alfabetização, ensino fundamental e médio) e dos livros didáticos, que deverão seguir o previsto na base curricular nacional.

Hoje, as atividades das escolas são fundamentadas sobretudo nos livros do programa federal (que não seguem uma diretriz única, e cada escola escolhe suas coleções) e nas avaliações, como a Prova Brasil (usada no cálculo do Ideb, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

A existência de uma base é vista como uma forma de reorganizar essa lógica, ao balizar o trabalho das escolas em conceitos e conteúdos nacionais explicitados. O que combateria, segundo seus defensores, desigualdades entre unidades e redes, além de definir progressões de aprendizado mais coerentes.

Idilvan Alencar, presidente do Consed (órgão que reúne os secretários estaduais de educação), diz que o primordial nesse processo será o apoio do MEC e de Estados aos municípios mais carentes. "A base tem potencial de reduzir desigualdades, mas temos que tratar municípios carentes e pequenos de forma diferente", diz ele, chefe da pasta de Educação do Ceará.

Para Alencar, os Estados devem montar equipes regionais. Isso pode facilitar a construção de currículos comuns em cidades vizinhas que compõem uma mesma realidade. "Estados precisam dar apoio porque têm equipes mais qualificadas e melhores condições, mas não precisamos repetir o trabalho."

No parecer aprovado nesta sexta (15), já há a previsão de colaboração do MEC com as redes para criar tecnologias para formação continuada de professores que já atuam. Será iniciada no ano que vem.

O próprio processo de criação da base, com o envolvimento do Consed e Undime (que agrega dirigentes municipais de Educação) já é importante e vai ajudar, segundo afirma Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann –organização que responde pela secretaria-executiva do Movimento pela Base.

Mas ele ressalta: "Agora vem a parte mais difícil para criar currículos: o trabalho na ponta de formação continuada, ajudando os professores a conhecer a base e entender os desafios".

HISTÓRICO

A Constituição já prevê a fixação de conteúdos mínimos para o ensino fundamental. Aprovada em 1996, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) também reforçou essa necessidade e, em 2014, o Plano Nacional de Educação colocou a construção do documento como uma das metas.

Uma primeira versão foi conhecida em setembro de 2015, ainda no governo Dilma. Houve uma consulta pública pela internet e análises técnicas, que geraram um segundo texto. Já sob o governo Michel Temer, a terceira versão (sem o ensino médio) foi entregue ao CNE em abril deste ano para a última fase de análise.

Todos os textos sofreram críticas. Nem dentro do MEC há a avaliação de que o texto aprovado, mesmo revisado nos últimos dias, é perfeito. O clima esquentou na reta final, quando o debate no Conselho Nacional de Educação ficou pressionado pelo calendário do MEC.  

Em nota, o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) avaliou que a base aprovada traz avanços em relação às versões anteriores, mas há pontos preocupantes. "Como a indicação da oferta do ensino religioso e a supressão das questões de gênero e de orientação sexual", diz.

A secretária-executiva do ministério, Maria Helena Guimarães de Castro, disse que as divergências ao aprovar a base neste momento não serão entraves na implementação. "Ganhou a base que foi desenvolvida e articulada o tempo todo com o conselho nacional, com as audiências públicas, com as entidades. É uma vitória do Brasil."

O parecer da base já prevê revisão. Cinco anos após a implementação, em 2025, o país deve voltar a discutir seu conteúdo.

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O que vem pela frente 

Adaptações que serão feitas após a homologação da base

Formação continuada de professores
Cursos devem ser alterados até o fim de 2019, com a ajuda de ferramentas tecnológicas que devem ser oferecidas pelo MEC a partir de 2018

Formação inicial de professores
Cursos devem ter seus currículos e programas adequados à base também até o fim de 2019

Avaliação
Avaliações federais (de alfabetização e Prova Brasil) serão alteradas em 2018 e aplicadas em 2019 nos ensinos fundamentais e médio

Livros didáticos
Edital de livros do 6º ao 9º ano deve ser preparado em 2018, para que as obras alteradas cheguem às escolas em 2020

Currículos
Deverão ser adaptados pelas redes e escolas ao longo dos próximos dois anos e estar prontos para o ano letivo de 2020

Base do ensino médio
Texto do MEC deve ser enviado ao CNE no 1º semestre de 2018 –possível mudança no Enem ficaria só para depois da aprovação

Gênero e sexualidade
CNE deve emitir normas específicas sobre orientação sexual e identidade de gênero, após MEC ter enxugado o tema; não há prazo definido

Revisão da base
Uma revisão deverá ser feita 5 anos após a implementação efetiva do documento, prevista para 2020 (ou seja, em 2025)
 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

Leia também: Base curricular do ensino é aprovada; avaliações já mudam a partir de 2019

 

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