O novo plano da prefeitura para os ônibus traz riscos ao transporte em São Paulo? SIM

POR AMÉRICO SAMPAIO, GABRIELA VUOLO E RAFAEL CALABRIA – TENDÊNCIAS/DEBATES DA FOLHA DE S. PAULO

PROJETO NÃO GARANTE MELHORIA DO SERVIÇO

Não é todo dia que se abre uma janela como esta para discutir a cidade. A licitação dos ônibus municipais não só vai escolher quais empresas vão operar em São Paulo, como também definirá como o sistema será estruturado, pelo menos durante os próximos 15 anos.

É uma grande oportunidade de avançar em políticas de mobilidade mais justas e eficientes, mas que pode ser desperdiçada se as decisões continuarem sendo tomadas de dentro dos gabinetes e sem efetiva participação da sociedade.

O ônibus é o transporte coletivo mais utilizado na cidade de São Paulo, mas continua com alto índice de reprovação pelos passageiros. A 11ª edição da Pesquisa sobre Mobilidade Urbana, lançada pela Rede Nossa São Paulo e pelo projeto Cidade dos Sonhos em setembro passado, mostrou que o nível de satisfação com a mobilidade em São Paulo piorou em todos os itens avaliados.

O alto preço da tarifa e a lotação são os maiores incômodos entre os usuários, seguidos de segurança e da frequência dos veículos.

Justamente por isso, a consulta pública sobre essa licitação é um momento fundamental para permitir que pessoas participem apresentando suas sugestões e contribuições. A prefeitura, no entanto, lançou a consulta no dia 21 de dezembro, quando todos já se preparavam para celebrar o fim de ano com suas famílias.

Pior que isso, optou por não oferecer linguagem acessível e dificultou a participação, considerando suficiente colocar nos ônibus um cartaz com um link para acessar uma lista de documentos com cerca de 6.000 páginas.

A inclusão do índice de satisfação dos passageiros para o cálculo da remuneração das empresas é uma novidade. Porém, a proposta não é clara, e há risco de que, com um peso muito pequeno, esse quesito acabe sendo ignorado pelas concessionárias.

Quanto à competitividade e ampla concorrência, a licitação tem grande chance de morrer na praia: do modo como o edital está estruturado, tendemos a ter os mesmos operadores presentes na cidade há décadas explorando a operação por mais um longo período. 

A proposta dá só 30 dias para início das operações depois que as empresas forem escolhidas, tempo inviável para que uma nova empresa possa adquirir ou solicitar garagens —que ainda são privadas— e providenciar os ônibus que vão circular.

As linhas vão mudar, e o número de baldeações deve aumentar, impactando em especial a vida de idosos, crianças e pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Mas, para que essa reestruturação funcione, são fundamentais a melhoria das calçadas e a realocação dos pontos onde são feitas as integrações. 

Também é preciso estruturar um sistema de fiscalização da operação que garanta a frequência dos ônibus e a punição efetiva das empresas que descumprirem os horários de partida. 

A proposta da prefeitura para os ônibus de São Paulo traz avanços pontuais, mas poderia ser mais bem desenvolvida se a gestão Doria levasse mais a sério a participação cidadã na construção de políticas públicas. 

Os itens estruturantes do sistema —concorrência, remuneração das empresas e fiscalização da operação— receberam pouca atenção na proposta apresentada, e a parte que promete inovação não traz garantias de que esses avanços serão implementados com segurança. 

O risco é terminarmos com muitas ideias que não saem do papel, condenando a cidade a mais um longo período de serviço ineficiente e empurrando cada vez mais pessoas a buscar soluções individuais para se locomover.

AMÉRICO SAMPAIO, sociólogo, é gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo

GABRIELA VUOLO, bacharel em Relações Internacionais, é representante do projeto Cidade dos Sonhos

RAFAEL CALABRIA, geógrafo, é pesquisador em Mobilidade Urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) 

Artigo publicado no espaço Tendências/Debates da Folha de S. Paulo
 

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