Por Rede Nossa São Paulo
Confira aqui a apresentação da pesquisa "Viver em São Paulo: Mulher"
Confira aqui a pesquisa completa, como todos os dados
Panorama da condição das mulheres em São Paulo:
Nossa pesquisa revela que as paulistanas têm menor tendência em responder que sairiam da cidade se pudessem do que os paulistanos. 42% das mulheres afirmam que não sairiam da cidade, enquanto 35% dos homens negam a possibilidade. Isso revela que as mulheres estão mais satisfeitas com a cidade do que os homens do ponto de vista da qualidade de vida. Porém, mesmos sendo difícil identificar as razões para isso, uma hipótese é a de que por mais que a vida da mulher na cidade não seja boa – como revelam nossos dados –, elas preferem arriscar menos do que os homens quando o assunto é construir a vida fora de São Paulo, inclusive por questões relacionadas ao machismo que coloca para a mulher maior responsabilidade de cuidar dos filhos e da família do que os homens. Isso faz com que as mulheres tenham uma tendência a responder a essa pergunta pensando na família e nos filhos, o que os homens talvez não levem em conta para dar a mesma resposta.
Outro elemento que reforça essa hipótese é a da avaliação da atual gestão municipal. A avaliação negativa da administração municipal também é menor entre elas do que entre eles. Para 38% das mulheres a atual administração é ruim ou péssima, contra 44% dos homens. Nesse sentido, a hipótese mais razoável é a de que as mulheres paulistanas estão menos críticas com o governo municipal do que os homens, e isso pode também ser uma das razões para que elas tenham menor tendência de sair da cidade do que eles. É importante destacar aqui, de maneira cautelosa, que uma das razões para isso pode ser o machismo estrutural que assola nossa sociedade e, como colocado anteriormente, faz com que as mulheres tenham maior responsabilidade com atividades domésticas do que os homens, e que, por conta disso, os homens conseguem ter mais tempo e atenção para as questões relacionadas à política e à cidade do que as mulheres, fazendo com que sua “criticidade” com relação a estes temas seja maior do que a das mulheres.
Além disso, nossa pesquisa mostra que 7% das entrevistadas já sofreram algum tipo de violência sexual, o que corresponde a quase 400 mil mulheres paulistanas. Os dados são bem menores do que a média nacional. Segundo a pesquisa realizada pelo Datafolha em 2017, quatro em cada dez brasileiras já relataram ter sofrido assédio sexual. O instituto mostrou que o índice de mulheres que já vivenciaram o problema é de 42%. Segundo o levantamento nacional, o assédio acontece com maior frequência na rua e no transporte público. Nossa pesquisa não consegue fazer esse detalhamento dos principais locais onde ocorrem o assédio sexual. No entanto, a pesquisa Datafolha revela um dado interessante, que os relatos de assédio são maiores conforme o tamanho da cidade. Nos municípios com até 50 mil habitantes, 30% dizem ter sido vítimas, enquanto nos que têm mais de 500 mil habitantes, a taxa sobe para 57%.
Quando o assunto é preconceito o dado é ainda mais preocupante, 16% das entrevistadas ou alguém que mora com elas já sofreram algum tipo de preconceito ou discriminação por serem mulher, o que corresponde a cerca de 850 mil mulheres. Não existem dados nacionais que avaliem a questão específica do preconceito contra a mulher. No entanto, os dados de São Paulo parecem altos.
Com relação ao medo que as mulheres sentem na cidade, a pesquisa mostra que 62% das mulheres têm medo da violência de forma geral, ou seja, 6 em cada 10 mulheres sentem medo de forma geral na cidade, e ainda 33% têm medo de sair à noite e 27% têm medo de sofrer algum tipo de violência sexual. Comparando com dados nacionais, o medo também configura um elemento preocupante com relação à condição das mulheres na sociedade brasileira. A pesquisa realizada pela ActionAid, em 2016, revela que, quando questionadas sobre em quais situações elas sentiram mais medo de serem assediadas, 70% responderam que ao andar pelas ruas, 69%, ao sair ou chegar em casa depois que escurece e 68% no transporte público. Com relação ao medo de sofrer violência sexual, destaca-se o fato de enquanto quase um terço das mulheres revelam tal preocupação, apenas 7% dos homens reconhecem ter medo desse tipo de violência. Ou seja, o medo de sofrer algum tipo de abuso é bastante presente na vida das mulheres, mas muito pouco sentida pelos homens.
A conclusão nesse item caminha no seguinte sentido: o panorama da condição da mulher na cidade é absolutamente preocupante. O medo, o abuso, o preconceito e o sexismo que sofrem as mulheres são elementos estruturais da sociedade paulistana. A cidade e os espaços públicos causam medo nas mulheres. Fazendo um panorama nacional sobre esse aspecto, é importante ressaltar que uma em cada três mulheres sofreram algum tipo de violência no último ano. Só de agressões físicas, o número é alarmante: 503 mulheres brasileiras vítimas a cada hora.
Emprego:
Com relação ao emprego a situação das mulheres é mais grave do que a dos homens, o que demonstra que o machismo estrutural da sociedade acarreta em graves desigualdades, incluindo também a questão do desemprego na cidade. Nossa pesquisa de fevereiro revelou que 18% dos paulistanos estão desempregados. Quando analisamos esses dados separando-os por gênero, observamos que do conjunto de desempregados em São Paulo, 6 em cada 10 deles são mulheres, ou 58% dessa parcela da população. O que demonstra que o desemprego recai sobre os trabalhadores de forma diferente, incidindo mais nas mulheres do que nos homens. Estatisticamente isso significa 1 milhão de mulheres desempregadas na cidade de São Paulo. E olhando para essas mulheres desempregadas, a pesquisa revela que metade delas estão desempregadas a mais de 1 ano, isto é, 500 mil mulheres.
Nossa pesquisa não consegue capturar dados relacionados à renda das mulheres paulistanas, mas segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2015, a mais recente e completa, o rendimento médio dos brasileiros era de R$ 1.808, mas a média masculina era mais alta (R$ 2.012), e a feminina, mais baixa (R$ 1.522), isto é, uma diferença de R$ 490, ou 25% a menos. Chama a atenção também os dados da PNAD relacionados a relação entre escolaridade e remuneração. Quanto mais altos os níveis de escolaridade dos trabalhadores maior é a desigualdade entre os sexos. Independentemente do tempo de estudo, os homens sempre ganham mais, mas essa diferença começa pequena, de menos de R$ 1 por hora, para trabalhadores com até 4 anos de estudo, e cresce até atingir mais de R$ 13 por hora para pessoas com mais de 12 anos de estudo. Em cargos de gerência, por exemplo, os homens ganham, em média, R$ 5.222. Já as mulheres recebem R$ 3.575. Com relação aos altos cargos a desigualdade se acentua, elas respondem atualmente por 43,8% de todos os trabalhadores brasileiros. Mas a participação vai caindo conforme aumenta o nível hierárquico. Elas representam 37% dos cargos de direção e gerência nas empresas, e no topo dos comitês executivos de grandes corporações elas são apenas 10% no Brasil.
Quando analisamos a visão de homens e mulheres com relação a oportunidades de trabalho, a visão dos homens aparece bem distorcida quando em comparação com a visão das mulheres sobre o tema. Para 54% das mulheres, elas têm menos oportunidades de trabalho na cidade de São Paulo do que os homens. Mas entre eles, esse percentual é menor, de apenas 40%. Isso demonstra o conservadorismo ou a naturalização do paulistano com relação ao tema da igualdade de condições entre homens e mulheres.
Preconceito:
A pesquisa revela que cerca de 1/5 (19%) das paulistanas afirma que já sofreram algum tipo de preconceito ou discriminação no trabalho por serem mulheres, o chamado sexismo. Na outra ponta, 76% das entrevistadas afirmam nunca terem sofrido preconceito no ambiente de trabalho. O número pode parecer pequeno, mas não é. O dado que chama a atenção se destaca quando analisamos os microdados daquelas entrevistadas que responderam que já sofreram preconceito em ambientes profissionais. Quando analisamos apenas o universo das mulheres com Ensino Superior, observamos que o número de mulheres que já sofreram preconceito nesses espaços sobe para 35%, e quando destacamos somente aquelas que tem renda familiar acima de 5 salários mínimos essa taxa também chega próximo disso, 32%. O mesmo fenômeno é identificado quando analisamos esses dados de maneira regional. Nas regiões Centro e Oeste (áreas nobres da cidade) 28% das mulheres afirmam que já sofreram preconceito ou discriminação no ambiente de trabalho, enquanto nas regiões Sul são 23% das mulheres que responderam de forma afirmativa a essa pergunta, Leste 17% e Norte apenas 12%.
Isso não significa que o preconceito contra a mulher é maior para as mulheres mais ricas e escolarizadas, mas sim mostra que existe uma tendência a mulheres mais escolarizadas e com melhor remuneração conseguirem identificar com mais criticidade e facilidade situações ou casos de preconceito contra elas próprias ou contra outras mulheres, isto é, quanto maior a escolarização e a renda mais crítica se torna a visão das mulheres com relação ao preconceito, fazendo com que elas denunciem mais as situações de preconceito do que as mulheres com menor escolaridade e remuneração. Nesse caso, é interessante destacar que existe uma situação de desigualdade com relação ao sexismo, e que políticas de redução da pobreza e da desigualdade e a ampliação da escolarização das mulheres são formas de reduzir o preconceito contra a mulher no sentido de ampliar a visão crítica delas sobre este tema. Projetos e iniciativas de formação cidadã nesses temas também parecem ser fundamentais para combater o sexismo.
Igualdade de gênero e violência contra mulher:
Com relação aos espaços onde as mulheres afirmam ter vivido situações de assédio (sendo aqui analisados qualquer tipo de assédio), o transporte público figura como o principal lugar onde as mulheres vivenciaram esse tipo de ocorrência (em acordo com os dados nacionais). 25% das paulistanas responderam já ter sofrido assédio em transporte público, 16% no ambiente de trabalho, 13% foram beijadas ou agarradas sem o seu consentimento e 4% em transporte particular (taxi, Uber, etc.). Isso reforça os dados já levantados pela Rede Nossa São Paulo anteriormente em que o transporte público figura como um dos principais locais onde as mulheres sofrem situações de assédio. Na pesquisa de Mobilidade de 2017 revelamos que 62% dos paulistanos avaliam a segurança com relação a assédio sexual no ônibus de São Paulo como péssimo, e na Pesquisa Viver em São Paulo de janeiro vimos que 18% dos paulistanos sentem medo de violência sexual na cidade.
Fora isso, a Pesquisa “Viver em São Paulo – Mulher” mostra também que no geral 35% das paulistanas já sofreram alguma situação de assédio, o que é um número muito alto de mulheres, chegando a 1,8 milhão de mulheres assediadas em São Paulo.
Dessa forma, duas conclusões são importantes. A primeira é a que o transporte público é o local onde as mulheres sofrem maior incidência de situações de assédio. E a segunda, é aquilo que já foi apontado anteriormente, que quanto maior a renda e a escolarização das mulheres maior é a criticidade e o potencial de identificar e combater a violência e o assédio.
Políticas de combate à violência contra as mulheres:
Com relação aos canais de denúncia e acesso a apoio com relação à violência contra as mulheres, nossa pesquisa mostra que tais políticas apresentam grande limites relacionados a sua implementação e êxito. Quando questionadas sobre a utilização de tais canais, chama a atenção o fato de ser muito baixo o número de mulheres que utilizaram esses serviços. Apenas 2% das entrevistadas já utilizou o 180 (canal de denúncia contra a violência contra a mulher), 4% utilizou a Delegacia de Defesa da Mulher, 3% já utilizou a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e 3% utilizou o 181 (Disque Denúncia). Esses valores são conflitantes com o número de mulheres que sofrem assédio cotidianamente na cidade de São Paulo, como mostra a nossa pesquisa, 35% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio.
Frente a isso, podemos levantar algumas hipóteses, sendo elas (a) que essas políticas públicas não estão comunicando bem seu funcionamento e a importância de as mulheres as utilizarem; (b) as mulheres não acessam estes serviços por medo da reação dos agressores, o que gera uma subnotificação de casos de violência contra a mulher; (c) as políticas analisadas não estão funcionando bem, e isso acaba por desestimular seu uso por parte das mulheres.
Machismo:
Nossa pesquisa mostra que 6 em cada 10 mulheres tem filhos na cidade de São Paulo (ou 63%), sendo desse universo 43% fica mais com o filho(a) do que a outra pessoa que cuida dele(a), 27% não divide os cuidados do filho(a) com ninguém, 12% divide os cuidados com os filhos(as) de maneira igual, 7% fica menos com o filho(a) do que a outra pessoa que cuida dele(a) e 3% não fica com o filho(a) / não tem a guarda.
Com relação a esses dados, chama a atenção o fato de as mulheres ainda serem as principais responsáveis pelos cuidados dos filhos na cidade, com destaque para o fato de quase 3 em cada 10 mulheres não dividirem essa tarefa com outra pessoa e apenas 1 em cada 10 mulheres dividir de maneira igual os cuidados com os filhos(as), o que demonstra que a sociedade paulistana é machista e coloca na mulher a responsabilidade dos cuidados com a família.
Conclusões:
• O machismo estrutural da sociedade paulistana produz uma cidade que provoca medo nas mulheres. 6 em cada 10 mulheres tem medo da violência de forma geral, 3 em cada 10 mulheres tem medo de sair à noite e também 3 em cada 10 mulheres tem medo de sofrer violência sexual;
• O desemprego na cidade de São Paulo é 50% superior à média nacional, chegando a 18%. No entanto, ele recai de maneira diferente para os homens e mulheres. Cerca de 60% da população desempregada na cidade é composta por mulheres, o que representa 1 milhão de paulistanas desempregadas. Soma-se a isso o fato de ainda ser baixa a percepção da sociedade paulistana relacionada às oportunidades de trabalho para homens e mulheres na cidade. Apenas 54% das mulheres entendem que elas têm menos oportunidade de trabalho em São Paulo do que os homens, enquanto 40% dos homens pensam o mesmo;
• É preocupante o fato de 2 em cada 10 mulheres afirmarem que já sofreram algum tipo de preconceito ou discriminação no trabalho por serem mulheres. E chama a atenção também quando analisamos que, desse universo, as mulheres com Ensino Superior que afirmam ter sofrido preconceito nesses espaços passa para 35%, e quando destacamos somente aquelas que tem renda familiar acima de 5 salários mínimos essa taxa também chega próximo disso, 32%. Isso demonstra uma desigualdade no interior da desigualdade com relação ao preconceito contra a mulher, no qual as mulheres mais escolarizadas e com melhor remuneração conseguem identificar com mais criticidade e facilidade situações ou casos de preconceito do que aquelas mulheres com menor escolaridade e remuneração;
• Um dos elementos centrais, não só dessa pesquisa, mas de outras pesquisas nacionais e também das demais pesquisas elaboradas pela Rede Nossa São Paulo, é que o transporte público é um dos locais com maior incidência de abuso contra as mulheres e também um dos que mais provocam medo. Nesse estudo nota-se que dentre as situações testadas pela pesquisa, 1 em cada 4 mulheres declaram já ter vivenciado assédio dentro do transporte coletivo;
• A pouca utilização das políticas de combate à violência contra as mulheres é também um fator de preocupação dessa pesquisa. Apenas 2% das entrevistadas terem utilizado o 180 (canal de denúncia contra a violência contra a mulher), 4% a Delegacia de Defesa da Mulher, 3% a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e 3% o 181 (Disque Denúncia) é inquietante, e merece a atenção de toda a sociedade e principalmente dos governos. Esses valores são pífios quando comparados com o número de mulheres que sofrem assédio cotidianamente na cidade de São Paulo, 35% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio;
• O machismo estrutural da sociedade paulistana com relação ao comportamento com as atividades privadas, como o caso do cuidado com os filhos salta aos olhos. Uma cidade em que 43% das mulheres com filhos ficam mais com eles(as) do que a outra pessoa que cuida dele(a), 27% não divide os cuidados do filho(a) com ninguém e apenas 12% divide os cuidados com os filhos(as) de maneira igual, definitivamente não é uma cidade igualitária e muito menos uma cidade que respeita as mulheres.
Leia também:
25% das mulheres paulistanas já sofreram assédio no transporte coletivo
Debate marca a apresentação dos resultados da pesquisa "Viver em São Paulo: Mulher”