Doria deixa herança de filas de exame e consulta fora de prazo prometido

Maioria dos diagnósticos está fora do prazo limite de 60 dias em São Paulo

Angela Pinho e Marina Estarque – Folha de S. Paulo

Após mais de um ano de promessas e de programas do ex-prefeito João Doria (PSDB), a maior parte de exames e consultas ainda leva mais de dois meses para ser feita na rede municipal de São Paulo, mostram dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.

O prazo de 60 dias havia sido informado por Doria como adequado para os exames, mas o tempo médio de espera é maior que esse para 80% dos pedidos de exame que aguardam na fila, para 73% das consultas de avaliação cirúrgica e para 94% das demais consultas na cidade.

Lançado para atingir a meta em parceria com a iniciativa privada, o programa Corujão da Saúde zerou nos três primeiros meses a fila de exames de imagem deixada pela gestão Fernando Haddad (PT) e foi vitrine do tucano, que renunciou ao cargo após 15 meses para disputar o governo paulista e deixou Bruno Covas (PSDB) em seu lugar. 

“As demandas da população vão ser atendidas dentro de prazos aceitáveis, ou seja, dentro de 60 dias —considerando a urgência e a gravidade. Os mais urgentes, no limite de 30 dias”, declarou Doria no ano passado.

Na campanha eleitoral para a prefeitura, em 2016, ele havia sido mais rigoroso, ao se comprometer com o limite de 30 dias para todos os exames.

Após assumir, além de aumentar o tempo prometido, Doria focou o Corujão apenas em um grupo de diagnósticos de imagem, como ultrassonografia e ressonância. 

Em setembro, a prefeitura anunciou que já havia feito mais de 1 milhão de diagnósticos por meio do Corujão.

Os dados da Secretaria da Saúde mostram, porém, que três dos cinco diagnósticos do programa com tempo informado pela pasta tiveram aumento na espera entre julho de 2017 e fevereiro deste ano.

A mamografia passou de 18 para 42 dias. A ecocardiografia transtorácica, de 43 para quase 75. A densitometria óssea foi de 45 para 46 dias. No caso das ultrassonografias, de 15 tipos informados, 9 tiveram piora no tempo de espera e 6 melhoraram.

Tomografias, por outro lado, tiveram melhora considerável, e o tipo mais demorado hoje leva 28 dias —a maior parte, menos que dois.

Os exames da segunda fase do Corujão também estão longe da promessa. A etapa foi lançada em novembro do ano passado, voltada para diagnósticos mais complexos, como prova de função pulmonar completa, teste ergométrico e colonoscopia.

Essa fase previa resolver uma fila de 83 mil exames até o final de março deste ano. Até fevereiro, um mês antes de o prazo acabar, todos os oito diagnósticos da lista tinham tempo de espera maior do que a promessa de 60 dias.

Um exemplo é o exame com Holter, que monitora frequência cardíaca. Passou de 89 dias, em julho de 2017, para 105 em fevereiro deste ano.

O exame mais lento dessa fase é a Avaliação Urodinâmica Completa. Embora tenha tido melhora significativa, ela permanece muito distante da meta de 60 dias: em julho de 2017, demorava 336 dias, em setembro chegou a 867 e, em fevereiro, caiu para 236.

As médias escondem situações ainda mais graves.

A aposentada Neusa Danta Calligari, 61, conta que aguarda há mais de dois anos para realizar um exame de audição.

Segundo ela, o procedimento foi pedido na AMA Sorocabana, na Vila Romana (zona oeste), em fevereiro de 2016. “Enquanto esperava, perdi a audição de um ouvido”, afirma. Ela diz que, no local do atendimento, lhe deram uma previsão de três a quatro anos para realizar o diagnóstico.

Além de perder a audição, Neusa também sofre com um barulho alto no ouvido. “É horrível, parece que tem um coração batendo na minha orelha.” Após o contato da reportagem, a Secretaria de Saúde ligou para Neusa, agendou e realizou o exame.

Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, os dados sobre a fila da saúde mostram que programas como o Corujão apenas “enxugam gelo”. “Parece que esse primeiro momento de parceria privada foi muito mais um marketing do que uma política consistente e sólida.”

Em sua avaliação, para reduzir a fila de forma consistente é preciso investir principalmente em quatro direções: ampliar a oferta pública de serviços de saúde; melhorar a atenção primária, para evitar que o quadro do paciente se agrave e ele tenha que fazer exames e novas consultas com especialistas; melhorar a transparência, informando o lugar de cada pessoa na fila; e cumprir a promessa de contratar 800 médicos.

O compromisso foi outro descumprido por Doria. No primeiro trimestre de 2018, foram convocados cerca de 200 médicos aprovados em concurso, segundo a prefeitura. 

No quesito organização, pacientes também relatam descontentamento com a saúde.

Moradora do Capão Redondo, na zona sul, Evangelina Cardoso, 83, conta que esperou meses por uma consulta oftalmológica e, quando ela foi marcada, era na Mooca, na zona leste, às 7h. Ela perdeu o compromisso, e outro paciente que poderia ter aproveitado o horário também.

A Secretaria de Saúde diz que a unidade de referência da paciente é de fato o Hospital Cema, na Mooca, mesmo que ela seja atendida por uma equipe de saúde da família no Capão Redondo.

Já Antônio de Paula Sobrinho, 81, tem um problema de próstata e, segundo relata, passou cinco vezes na UBS de Santa Cecília, nos últimos dois meses, sem nem sequer conseguir agendar uma consulta com um urologista.

“Me falavam para voltar na segunda-feira seguinte e fui várias vezes. Pedi um telefone para ligar e tentar marcar, mas disseram que não tinha.” Procurada, a secretaria disse que entrou em contato com Antônio e agendou a consulta.

OUTRO LADO

A Secretaria de Saúde afirmou, por meio de nota, que o Corujão trabalha no “gerenciamento da demanda atual para evitar represamento como ocorrido no final de 2016”, quando a fila de espera era de 485,3 mil exames de imagem. Segundo a pasta, a fila atual é de 85,7 mil procedimentos.

A administração diz que o tempo de espera varia de acordo com a demanda. “Em um ou outro caso pontual, pode ocorrer um prazo um pouco maior, o que gera um aumento do tempo médio”, afirma.

Para a secretaria, a comparação com o mês de julho não é correta. “É um equívoco comparar o período de julho —quando os convênios com as unidades privadas de saúde estavam no auge, justamente para zerar a demanda reprimida— com o período em que a pasta atua apenas com a sua rede própria.”

A pasta admite, entretanto, que a rede municipal fez cerca de 75% dos exames de imagem em 2017. Já a fila atual de exames complexos, diz, é de 73.696 procedimentos.

A secretaria nega que tenha fixado um prazo para os exames do Corujão 2. No entanto, a meta foi mencionada por Doria e pelo secretário de Saúde, Wilson Pollara, no lançamento da segunda etapa.

O prazo também foi registrado em publicação no perfil oficial do prefeito em rede social, no dia 5 de outubro de 2017: “Hoje, 83 mil pessoas aguardam na fila para exames desta categoria e pretendemos zerar este montante até março de 2018”.

Em relação à espera para consultas, a secretaria diz que os casos precisam ser avaliados individualmente. A pasta afirma que se comprometeu a atender 68 mil pacientes que esperavam avaliações de cirurgia até o final do ano.

De acordo com a administração, 647 médicos estão “em processo de contratação” e cerca de 200 foram convocados em 2018. Além disso, menciona concurso de 235 médicos especialistas para a Autarquia Hospitalar Municipal (AHM), que aguarda autorização para as nomeações.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo

 

Compartilhe este artigo