Levantamento integra a séria “Viver em São Paulo”, que foi iniciada este ano e mensalmente tem divulgado dados sobre a percepção dos paulistanos em relação a temas importantes que afetam a vida na capital paulista.
Por Américo Sampaio, gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo
Cracolândia
Para os paulistanos, o combate ao tráfico de drogas é a principal medida a ser adotada na Cracolândia, seguida pelo desenvolvimento de políticas públicas de atuação conjunta de diversas áreas, com 59% e 53%, respectivamente. Construir unidades de saúde especializadas para atender exclusivamente os usuários de drogas na Cracolândia é a terceira medida apontada pelos paulistanos, com 43% de menções. Solicitar ajuda das Forças Armadas para combater o tráfico e o consumo de drogas no local é a medida com menos apoio dos paulistanos, ficando em último lugar, sendo mencionada por apenas 23% dos entrevistados.
O combate ao tráfico de drogas é a medida mais citada para os mais velhos, com renda entre dois e cinco salários mínimos e da classe C. Já a medida de desenvolver políticas públicas para atuação conjunta é a preferência entre os mais escolarizados, da classe A e B, com renda acima de cinco salários mínimos e brancos.
Quando analisamos regionalmente esses dados, observamos que combater o tráfico de drogas é a medida prioritária para a população das regiões leste, centro e sul, enquanto a população das regiões norte e oeste entendem que desenvolver políticas públicas para atuação conjunta de diversas áreas é o melhor caminho para a atuação municipal na Cracolândia.
Isso demonstra que a principal aposta da população para a Prefeitura atuar na Cracolândia é com medidas de segurança e não propriamente medidas de políticas sociais. Por mais que a diferença seja pequena entre as duas possibilidades (59% contra 53%), o resultado reforça a ideia de que o imaginário do paulistano entende que medidas de combate ao tráfico de drogas é mais urgente do que medidas sociais que atendam aos usuários de drogas e moradores da Cracolândia. No entanto, o fato de políticas de atuação conjunta estarem em segundo lugar também reforça a ideia de que os paulistanos estão abertos às políticas públicas sociais para essa complexa questão da cidade.
População em situação de rua
A melhora das condições da população em situação de rua passa especialmente pela ampliação de políticas públicas de acolhimento e pela capacitação com foco na inserção no mercado de trabalho, com 37% e 34%, respectivamente. Na sequência, os entrevistados apontam como outras possíveis ações para melhorar as condições de vida dessa população criar medidas que incentivem a contratação dessas pessoas por empresas e comércios (30%); ampliar a rede de atendimento socioassistencial (27%); transformar prédios desocupados e com dívidas de IPTU em moradias para essas pessoas (26%); desenvolver políticas públicas de moradia para essa população (24%); financiar os custos de viagem para aqueles que gostariam de voltar para suas cidades de origem (23%); e, ampliar as Unidades de Atendimento Diário Emergencial (ATENDE) (21%). A medida com menos apoio da população paulistana é intensificar a política de recolhimento de cobertores, roupas e outros itens que pertencem a esta população, com apenas 4%.
De modo geral, políticas de habitação e de atendimento socioassistencial são indicadas por cerca de dois terços dos paulistanos como maneiras mais apropriadas de tratar a questão de pessoas em situação de rua. Se aglutinarmos as opções por tema, encontramos cinco grandes grupos de medidas nas quais a população acredita ser as mais adequadas para melhorar a qualidade de vida de população situação de rua. Os cinco grupos temáticos e seus respectivos apoios pelos entrevistados são: moradia (67%), atendimento socioassistencial e acolhimento (65%), trabalho (53%), projetos sociais e voluntariado (21%), e outros (24%).
Quando analisamos os dados regionalmente, observamos que em todas as regiões a medida de ampliar os Centros de Acolhida, os Centros de Acolhida Especiais e Centros Temporários de Acolhimento é a principal aposta do paulistano, com exceção da população da zona norte, que afirma que as principais medidas para melhorar as condições da população em situação de rua são oferecer cursos de capacitação profissional para que possam atuar no mercado de trabalho e criar medidas que incentivem a contratação dessas pessoas por empresas e comércios.
Dessa forma, podemos ter como hipótese a noção de que os paulistanos estão bastante abertos para as políticas públicas como principal medida para melhorar a qualidade de vida dos moradores de rua, sendo políticas de moradia e atendimento socioassistencial as principais, seguida de políticas voltadas para o estímulo ao mercado de trabalho.
Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade
O acesso ao primeiro emprego e à educação integral são entendidos pelos paulistanos como as principais formas de garantir oportunidades e reduzir o grau de vulnerabilidade das crianças e adolescentes na cidade, com 77% e 68% de concordância, respectivamente. A afirmação com menos concordância da população é a de que trabalhar é mais importante para a formação das crianças do que o estudo, com apenas 8% de concordância.
Esse dado da pesquisa revela o que já foi destacado antes com relação à Cracolândia e à população em situação de rua, que é o fato de a população paulistana estar aberta às políticas públicas assistenciais como saída para estas situações de vulnerabilidade. Porém, nesse caso, essa abertura se dá conjuntamente com uma aposta da população de que para o público relacionado a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, o estímulo ao mercado de trabalho e primeiro emprego são também medidas importantes.
Violência contra a mulher
Para pouco mais da metade dos paulistanos a ampliação das penas a quem comete violência contra a mulher é vista como prioritária no combate à violência doméstica e familiar, 53% dos paulistanos apontam que essa seria a principal medida para combater a violência contra a mulher. Na sequência estão as medidas que visam agilizar o andamento da investigação das denúncias, com 43% de apoio, ampliar os serviços de proteção de mulheres em situação de violência em todas as regiões da cidade, com 40% de apoio e criar novas leis de proteção à mulher, com 35%. Criar políticas de segurança comunitária, aproximando a população dos agentes de segurança, é a medida com menor apoio da população paulistana, apenas 16% avaliam que essa seria a principal alternativa.
Quando analisamos esses dados regionalmente, observamos um fenômeno interessante. Agilizar o andamento das investigações destaca-se entre os moradores das regiões Oeste e Norte, enquanto a ampliação dos serviços de proteção é mais citada entre os que moram nas zonas Sul e Oeste.
Esse dado aponta para o fato de que por mais que a população paulistana esteja aberta a políticas públicas socioassistenciais para combater as situações de vulnerabilidade na cidade, com relação à violência contra a mulher, o paulistano aposta em saídas mais punitivistas, e menos assistenciais. Isto é, na opinião dos paulistanos a questão da violência contra a mulher é mais foco do sistema judiciário do que da rede socioassistencial da cidade.
Renda Básica de Cidadania
Mais da metade dos paulistanos é a favor da proposta de lei para garantir um benefício de transferência de renda básica a qualquer pessoa residente em São Paulo há pelo menos 5 anos. Para 55% dos entrevistados essa proposta é avaliada favoravelmente, enquanto 30% são contrários a ela. Outros 15% não sabem ou preferiram não responder à pergunta.
Quando analisamos o perfil dos entrevistados favoráveis, contrários e não respondentes, identificamos grupos bastante característicos e distintos entre si. O grupo dos entrevistados favoráveis à Renda Básica é composto majoritariamente por pessoas jovens, entre 25 e 34 anos, mais pobres, menos escolarizados, da classe C e pretos ou pardos. Já o grupo contrário à proposta é composto por homens, mais velhos, entre 45 e 54 anos, mais escolarizados, mais ricos, da classe A e brancos. E com relação ao grupo que não respondeu a essa questão, ele é composto por pessoas de idade entre 35 e 44 anos, mais escolarizados, mais ricos e da classe B.
Quando analisamos esses dados regionalmente, observamos que as regiões sul e leste – regiões mais pobres da cidade – são aquelas que demonstram maior apoio à proposta de Renda Básica de Cidadania. Na região sul o apoio chega a 59% da população e na região leste 58%, ou seja, uma favorabilidade maior do que a média da cidade. Já as regiões norte, oeste e centro, são as que demonstram menor apoio à medida, com 47%, 51% e 46%, respectivamente. Todas essas regiões representam apoio à Renda Básica menor do que a média da cidade, que é de 55%. Na outra ponta dessa régua destaca-se a população da região central da cidade, com 38% de contrariedade, valor superior à média da cidade que é de 30%. Já as regiões norte e oeste são as mais indecisas com relação à Renda Básica, nelas o número de entrevistados que não sabem ou não responderam é de 20% e 23%, respectivamente.
Nesse sentido, destaca-se o fato de os perfis favoráveis e contrários à Renda Básica serem característicos da população paulistana. Os entrevistados contrários à proposta são mais ricos, mais escolarizados e moradores da região central da cidade, enquanto os favoráveis são mais pobres, menos escolarizados e moradores das regiões sul e leste de São Paulo. Isso pode denotar dois pontos interessantes, o primeiro diz respeito ao fato de a parcela mais rica e bem instruída da população ser contrária à Renda Básica poder significar a valorização do trabalho e empenho individual, no sentido de valorizar a meritocracia em detrimento de políticas redistributivas que ampliem a renda dos mais pobres. O segundo, é que dado que a população contrária à proposta mora nas regiões centrais, e logo mais ricas da cidade, isso pode distorcer a compreensão dessa população sobre a realidade da cidade de São Paulo, fazendo com que essa população não conheça o tamanho das desigualdades na cidade, e por isso não compreenda bem a importância de uma proposta como a da Renda Básica.
Conclusões
• Ainda que abertos à implementação de políticas públicas, a aplicação de punições no combate à violência contra a mulher e o uso de poder de polícia ou Forças Armadas estão presentes na opinião dos paulistanos com menor relevância;
• Fora isso, o trabalho ainda é visto como uma ferramenta para evitar ou contornar situações de vulnerabilidade. No caso dos adolescentes na forma do primeiro emprego e para as pessoas em situação de rua com a capacitação e reinserção no mercado;
• É notável a favorabilidade que os paulistanos demonstram ter em relação a medidas garantidoras de cidadania, seja através das mais diversas políticas públicas de saúde, educação e reestruturação social, bem como a proposta de Renda Básica de Cidadania;
• O paulistano se apresenta aberto à implementação de políticas públicas de diversas áreas para dar solução às questões investigadas no estudo.
Caminhos
• Desenvolver políticas sociais para reduzir o impacto da Cracolândia na cidade, ampliando a rede de acolhimento e desenvolvendo ações de redução de danos;
• Realizar o censo da população em situação de rua buscando identificar o perfil dessa população e ampliar a rede socioassistencial de cuidado e acolhimento dessa população, descentralizando o atendimento e a gestão dos serviços;
• Fortalecer a Lei do Aprendiz na cidade promovendo campanhas de incentivo às empresas para o cumprimento da lei, bem como ampliando a fiscalização no setor privado. Além disso, ampliar a oferta e a qualidade da educação em tempo integral no município;
• Ampliar e descentralizar os serviços de proteção às mulheres vítimas de violência para todas as regiões da cidade;
• Aprovar a lei que estabelece a Renda Básica da Cidadania no município de São Paulo que tramita na Câmara de Vereadores (PL 620/16).