Pesquisa “Viver em São Paulo: Assistência Social” revela também que nove em cada dez pessoas notam o aumento da população em situação de rua no último ano.
Por Airton Goes, da Rede Nossa São Paulo
Nos últimos 12 meses aumentou o número de famílias vivendo nas ruas da cidade de São Paulo. Esta é a percepção da maioria dos paulistanos, de acordo com a pesquisa “Viver em São Paulo: Assistência Social” divulgada nesta quarta-feira (8/12).
Realizado pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ipec – Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, o levantamento mostra que 88% dos paulistanos – quase nove em cada dez – consideram que a quantidade de pessoas em situação de rua na cidade aumentou “muito” ou “um pouco” no período. Apenas 8% dizem que o número “está igual”, enquanto 2% avaliam que “diminuiu muito” ou “um pouco” e outros 2% não sabem ou não responderam.
A percepção de que cresceu a quantidade de pessoas vivendo nas ruas é maior na região central da cidade, onde o índice alcança 94%, e na zona oeste, que registra 96%. Por outro lado, a menor localiza-se na região sul, com 84%.
Entre aqueles que notam o aumento de pessoas morando nas ruas da cidade, 66% – ou dois terços – justificam essa percepção pelo fato de observarem mais famílias nessa situação. Outros 33% dizem ter visto mais crianças e adolescentes passando pelo problema.
A região da cidade onde as pessoas mais percebem a presença de famílias nas ruas – com a presença de pai, mãe, filhos e, muitas vezes, até móveis – é a zona norte, com 72%. Lá também, estão os paulistanos que mais notam crianças e adolescentes nessa situação, com 41% das menções.
Questionados sobre o principal motivo para o crescimento da população em situação de rua nos últimos doze meses, 84% assinalaram a alternativa “aumento do desemprego ou perda da renda das pessoas”. Outras razões também foram apontadas para o agravamento da situação, entre as quais: “aumento do custo de vida (preço da cesta básica, luz, gás de cozinha, etc.)”, com 61% de menções; “aumento dos preços dos aluguéis ou aumento dos despejos”, que registrou 48%; e “ausência de uma política de proteção social para os mais pobres”, com 38%.
Problema é complexo e demanda várias políticas públicas
Pelos resultados da pesquisa, é possível constatar que os paulistanos reconhecem a complexidade do problema e, para enfrentá-lo, apontam a necessidade de várias medidas por parte da administração municipal.
Para 46% dos entrevistados, uma das medidas mais importantes para melhorar as condições da população em situação de rua é “desenvolver políticas públicas, como o aluguel social e transformar prédios desocupados ou com dívidas em moradias”. O mesmo percentual assinalou a opção “oferecer cursos de capacitação profissional e incentivar a contratação de pessoas em situação de rua”.
Outras alternativas também registram percentual significativo de adesões. “Ampliar a rede de atendimento socioassistencial”, por exemplo, é assinalada por 41% dos pesquisados, enquanto a que propõe “ampliar os Centros de Acolhida, os Centros de Acolhida Especiais e os Centros Temporários de Acolhimento (CTAs)” tem o apoio de 32%.
Aumento da pobreza e da fome
A pesquisa revela também que quase a totalidade dos paulistanos percebe o crescimento do número de pessoas em situação de fome e pobreza. Para 92% deles, a população que sofre esses graves problemas “aumentou muito” ou “um pouco”. Só 5% afirmam que a quantidade de pessoas “está igual”, 1% considera que “diminuiu um pouco” ou “muito” e 2% não sabem ou não responderam.
No grupo de paulistanos que notam o aumento do número de pessoas que vivenciam a fome e pobreza, 45% dizem observar mais “pessoas pedindo esmolas nas ruas”. Outras situações mencionadas na pesquisa foram assinaladas, como: “pessoas trabalhando nos semáforos ou nas ruas”, com 39%; “pessoas pedindo alimento nas portas”, marcada por 38%; e “pessoas na fila para receber doações de marmitas ou comida pronta”, apontada por 35%.
Para melhorar as condições de vida dessas pessoas, as medidas a serem adotadas pelo município mais assinaladas no levantamento são “criar políticas de garantia de emprego” (63%), “reduzir o valor das contas básicas, como a de água e de luz” (60%) e “garantir uma renda mínima suficiente” (53%).
A pesquisa entrevistou 800 moradores da cidade de São Paulo, com 16 anos ou mais, e sua margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados obtidos no total da amostra.
Confira a apresentação da pesquisa
Secretário pretende fazer remodelagem completa no sistema
Os dados da pesquisa “Viver em São Paulo: Assistência Social” foram divulgados nesta quarta-feira (8/12), em evento on-line promovido pela Rede Nossa São Paulo e IPEC – Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, em parceria com a Uninove – Universidade Nove de Julho.
A atividade virtual contou com as participações de Carlos Bezerra Júnior, secretário de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade de São Paulo, e Alderon Costa, integrante da Associação Rede Rua, além de Patrícia Pavanelli, diretora do Ipec, e Viviane Campana Patrício Delgado, coordenadora do Programa de Inclusão Universitária e mediadora das Lives Interativas Uninove.
Ao iniciar a live, o assessor de mobilização da Rede Nossa São Paulo e mediador do evento, Igor Pantoja, destacou que a pesquisa aponta o fator econômico como causa para o aumento da população de rua. “Há um reconhecimento da crise que estamos passando”, considerou.
Em seguida, Patricía Pavanelli, diretora do Ipec, apresentou os principais dados e aprendizados contidos no levantamento. Segundo ela, na percepção da maioria dos paulistanos o aumento do desemprego e o alto custo de vida, num contexto geral de pandemia da covid-19, vêm contribuindo para o crescimento da população que vive nas ruas da capital paulista e em situação de fome e pobreza.
“Esse cenário, que aprofunda ainda mais a desigualdade social na cidade, já é percebido pela grande maioria da população, principalmente, por notar um número de famílias vulneráveis cada vez maior morando pelas ruas”, relatou Pavanelli.
Durante o evento, o secretário Carlos Bezerra Júnior ressaltou que a pesquisa traz luz sobre um tema fundamental: a invisibilidade da população em situação de rua. Em sua avaliação, também há uma certa invisibilidade sobre as políticas públicas destinadas a essas pessoas.
Ele afirmou que, em virtude dos grandes impactos causados pela pandemia do novo coronavírus, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento resolveu antecipar o censo sobre as pessoas que vivem nas ruas da cidade, inicialmente prevista para ocorrer em 2024. “Devemos ter os resultados quantitativos, que envolvem os números gerais, até a primeira quinzena de janeiro próximo”, informou.
Bezerra Júnior lembrou que no censo realizado pela prefeitura em 2019, 40,3% das pessoas que moravam nas ruas apontavam os desentendimentos familiares ou o rompimento dos laços familiares como principal causa para a situação em que se encontravam.
“São percepções absolutamente distintas de quem vive em situação de rua e de quem está fora”, considerou, ao apontar que os dados da pesquisa “Viver em São Paulo: Assistência Social” mostram apenas motivações econômicas e a ausência de políticas públicas para o crescimento da população em situação de rua.
O secretário acrescentou que não há ausência de políticas públicas, e sim insuficiência delas, e explicou que pretende fazer uma remodelagem completa no sistema de atendimento e acolhimento, visando envolver diversas secretarias.
“No âmbito do Programa Reencontro, estamos trabalhando num sistema de moradias individualizadas, para que as famílias possam ser acolhidas por um tempo e ter condições para se reestruturem” exemplificou.
Outra iniciativa antecipada por Bezerra Júnior é a portaria que está em elaboração, determinando que 2% dos trabalhadores dos serviços contratados pela Prefeitura sejam pessoas em situação de rua.
Alderon Costa, da Associação Rede Rua, considerou que os dados da pesquisa e a sua divulgação contribuem para ampliar o entendimento sobre o tema. “Um grande desafio, que sempre enfrentamos, é sensibilizar a população para a questão dos moradores em situação de rua”, ponderou.
Ele considerou positiva a proposta do secretário, de remodelar o sistema de atendimento e acolhimento, envolvendo outras pastas municipais. “Temos que avançar na intersetorialidade, trazer as secretarias de Direitos Humanos e de Habitação para esse debate”, defendeu.