Em um momento onde a democracia se vê ameaçada por gritos, granadas e fuzis, São Paulo comemora a gratuidade no transporte municipal para o segundo turno das eleições. Mais de 200 organizações da sociedade civil reivindicaram a medida para o próximo domingo e, nesta segunda-feira (24/10), o prefeito Ricardo Nunes a concedeu. Assim, os ônibus municipais estarão com as catracas travadas entre às 6h e 20h, em caráter excepcional, e a frota será reforçada em 2 mil veículos.
A decisão da Prefeitura se deu após pressão da sociedade, representada por um grupo de organizações da sociedade civil que estiveram na Prefeitura para discutir o acesso democrático às urnas. Afinal, considerando os mais de R$4 bilhões em subsídio previstos pelo município às empresas de ônibus ao longo de 2022, quão insignificante é o valor de R$7 milhões (0,2%), custo de operação do dia da eleição?
Garantir o transporte gratuito é promover um direito da população, mas também permite cumprir uma obrigação, considerando que o voto no Brasil é obrigatório. O acesso ao deslocamento nas cidades é uma forma de incentivar o direito-dever do voto, assim como funciona no acesso a serviços públicos, oportunidades de trabalho e renda. O Mapa da Desigualdade da capital paulista já denunciava que em 2021 havia uma taxa de oferta de emprego formal variando 290 vezes entre os distritos da Sé e de Iguatemi, no extremo Leste da cidade. Ou seja, enquanto os moradores da região central contam com oportunidades perto de suas casas, outros gastam tempo e dinheiro para acessar as mesmas oportunidades.
De forma complementar, a pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade aponta que, no último ano, 43% dos paulistanos deixaram de visitar amigos ou familiares que moram em outros bairros da cidade em função do preço da tarifa do transporte. O percentual chega a 32% deixaram de ir a consultas médicas e 29% de procurar emprego, reforçando o transporte acessível e de qualidade como um grande diferencial no combate às desigualdades territoriais.
Muito mais do que um posicionamento político de momento, a escolha pela gratuidade
passa uma mensagem de estímulo à participação da sociedade e fortalecimento da democracia. Em um período de forte descrédito na política e nos políticos, a reação da sociedade tem sido de reduzir sua participação. Recente pesquisa feita pelo IPEC para o Instituto Cidades Sustentáveis mostrou que sete em cada dez brasileiros não têm interesse em participar da vida pública do país.
O gesto da gratuidade é de grandeza política e gera empatia, em um momento em que a crise econômica e a inflação apertam os cintos de boa parte da população. Nestes tempos, a sensibilidade pode aproximar a política da população. Esperamos que as conquistas desta eleição se consolidem como política pública, já que a participação da sociedade é o primeiro passo do futuro interesse na política, de forma que possam estimular e cobrar os candidatos em que votaram.
A Constituição de 1988 garantiu o pleno exercício da participação política de todos os brasileiros. No conflituoso cenário atual, esse direito foi reforçado por diversas Defensorias Públicas e pelo próprio STF, com recomendações e ações judiciais, visando a gratuidade nas eleições. O compromisso das instituições reforça a movimentação da sociedade civil, que já alcançou a gratuidade no transporte municipal no segundo turno em 178 cidades brasileiras – incluindo todas as capitais, exceto Rio Branco – alcançando, assim, mais de 50 milhões de eleitores, o que corresponde a aproximadamente um terço do total do país.
Os eleitores destas cidades poderão acessar as urnas gratuitamente. Em um ano em que a abstenção passou dos 20%, a mais alta em eleições gerais desde 1998, o posicionamento dos governos municipais pode ter ainda mais peso no processo decisório. Pesquisa do DataFolha apontou que 10% dos ausentes paulistanos não foram votar por motivos relacionados ao transporte. Nessa lógica, estima-se que 1 milhão de eleitores que se abstiveram no primeiro turno serão beneficiados nas cidades que adotaram a gratuidade.
Mais importante do que saber em quem votarão, é a certeza de que estarão exercendo seu direito de participação e cidadania. Eleição é festa cívica, e nada melhor do que ter transporte gratuito para se fazer presente.
Jorge Abrahão
Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo.