Um grupo de gênios brasileiros antevia o futuro: eles já sabiam!

Por Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis | Foto: Ricardo Stuckert (Fotos Públicas)

Machado de Assis, com sua fina ironia, dizia:

“Ouça-me este conselho: em política, não se perdoa nem se esquece nada.”

E Drummond nos convocava para seguirmos juntos:

“Não serei o poeta de um mundo caduco

Também não cantarei o mundo futuro

Estou preso à vida e olho meus companheiros

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças

Entre eles, considero a enorme realidade

O presente é tão grande, não nos afastemos

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”

Manuel Bandeira nos alertava para as injustiças:

“Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.”

Enquanto isso, Chico Buarque afirmava:

“Apesar de você

Amanhã há de ser

Outro dia

Eu pergunto a você

Onde vai se esconder

Da enorme euforia

Como vai proibir

Quando o galo insistir

Em cantar

Água nova brotando

E a gente se amando

Sem parar”,

e completava;

“Vai passar

Nessa avenida um samba

Popular

Cada paralelepípedo

Da velha cidade

Essa noite vai

Se arrepiar

Ao lembrar

Que aqui passaram

Sambas imortais

Que aqui sangraram pelos

Nossos pés

Que aqui sambaram

Nossos ancestrais”

Foi quando Caetano cantou:

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes

Morrer e matar de fome, de raiva e de sede

São tantas vezes gestos naturais

Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo

Daqueles que velam pela alegria do mundo

Indo e mais fundo, tins e bens e tais.”

E Aldir Blanc conversou com o tempo:

“E o tempo se rói com inveja de mim

Me vigia querendo aprender

Como eu morro de amor

Pra tentar reviver

No fundo é uma eterna criança

Que não soube amadurecer

Eu posso, ele não vai poder

Me esquecer”,

Então David Kopenawa nos alertou:

“Estamos apreensivos, para além da nossa própria vida, com a da terra inteira, que corre risco de entrar em caos. Os brancos não temem, como nós, ser esmagados pela queda do céu. Mas um dia talvez tenham tanto medo disso quanto nós!”

E Krenak disse:

“Todo mundo tinha que se armar com o título de eleitor e dar um basta, do ponto de vista eleitoral, tão redundante, que não deixasse dúvida a essa direita ignorante de que ela está errada. A gente tinha que tentar fazer isso pela via do que chamam de democracia, para a gente testar nossa capacidade de mobilização”,

Por fim, Adélia Prado:

“Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.

O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocado por pequenos milagres do cotidiano. É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos.

Fragmentos que emocionam. E pensar que ainda tantos outros gênios brasileiros poderiam ser citados. Se há uma ancestralidade, e há, ela nos acompanha e celebra conosco este momento que vivemos no país. Se resistimos, portanto, foi porque também buscamos em nossos antepassados e artistas a força para esta vitória maiúscula.

Juntos, eles nos alertaram, nos estimularam a crítica, nos ensinaram a resistir com afeto e, agora, conseguimos superar o maior risco que tivemos na história do país.

Não foi pouca coisa a vitória da democracia, encarnada em Lula. Foi ato de resistência e bravura maiúscula da população, em uma disputa desproporcional: o adversário usou todos os golpes baixos e cometeu todas as ilegalidades para tentar vencer, mas uma maioria aguerrida se manteve firme. Depois de submetidos a um estresse da democracia, tudo se passou como quando saímos de um longo túnel: a sensação é de alargamento de horizontes, de arejamento, de voltar a respirar.

Momento de celebração e alívio. E de reconhecimento, plagiando Drummond:

Eu não devia dizer

Mas se não fosse o João,

O Ribeiro, o prof com “P”

Nada disso seria possível.

Muitos desafios existem pela frente e a fibra dessa turma seguirá nos guiando. “E por falar em paixão, em razão de viver”, como dizia Vinicius de Moraes, um novo ano se aproxima!

Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis. 

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.

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