Por Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil (Fotos Públicas)
Em 1º de novembro, as manchetes anunciavam a eleição de um novo presidente da República, que representava uma ampla frente política de defesa à prevalência da democracia. O resultado numérico da eleição, diferentemente do que pode parecer a princípio, não representa a correlação de forças políticas no país, considerando o abusivo uso da máquina de governo e dos recursos públicos nos meses que antecederam as eleições.
Com o resultado, um desafio é criar um padrão de convivência republicana entre os que pensam diferente e respeitam a Constituição.
Não é pouca coisa o processo de avanço democrático que experimentamos no Brasil nos últimos 130 anos. A Proclamação da República em 1889 no Brasil, patrocinada pelos grandes proprietários rurais —e que contou com o envolvimento dos militares— foi uma maneira de manter o poder nas suas mãos e quase nada teve de republicana, predominando os interesses privados frente aos públicos.
Naquela oportunidade, somente 1% da população tinha o direito ao voto: pessoas do sexo masculino ricos, com renda acima de 200 mil réis.
Agora, nas eleições de 2022, estavam aptos a votar 156 milhões de brasileiros, aproximadamente 70% da população. A exclusão política do início da República foi superada, e o sistema de votação brasileiro é um dos mais avançados do mundo. Uma conquista inequívoca da sociedade.
Embora tenhamos que celebrar estes avanços, o processo eleitoral evidenciou fragilidades da democracia brasileira que não podem ser esquecidas e devem ser enfrentadas desde o início do próximo mandato.
O debate sobre a desincompatibilização dos candidatos à presidência deve ser retomado, já que a utilização da máquina pública desequilibra as eleições a favor de quem está no poder.
Não menos importante foi o uso das redes sociais para a desinformação e impulsionamento de fake news para públicos segmentados, o que tem colocado em risco as democracias e merece um olhar urgente por parte das instituições, já que figuras como Zuckerberg (Instagram, Facebook e WhatsApp) e Elon Musk (Twitter) já deram demonstração de que prezam mais seus negócios do que o impacto negativo que provocam na sociedade e nas democracias.
O fim das emendas parlamentares secretas, que serviram para manter no poder o grupo alinhado ao presidente da Câmara, é outro tema-chave a ser enfrentado.
E os critérios para nomeação de um procurador-geral da República que exerça seu papel constitucional são outro assunto que não pode passar batido.
No dia 2 de dezembro, um mês depois do resultado das eleições, o IBGE divulgou que a pobreza aumentou no Brasil e mais de 62,5 milhões de pessoas ganham menos de R$ 486,00 por mês (em 2021).
Esta é a fotografia social de um país que enfrentou enormes retrocessos nos últimos anos e dão a medida dos desafios que há pela frente: proporcionar vida digna para a maioria da população brasileira.
O Brasil tem recursos para enfrentar este problema e sabemos onde eles estão. Resta coragem para propor políticas que reduzam as desigualdades no país, o que deveria ser interesse de todos os segmentos da sociedade.
Sob o ponto de vista ambiental, dados mostram que o desmatamento dobrou nos últimos dois anos, o que dá a medida da urgência de ações nos biomas brasileiros, especialmente a Amazônia.
Resta ainda retomar os espaços de participação para incorporar a perspectiva de diferentes segmentos da sociedade, aproveitando a riqueza de nossa diversidade.
No dia 1º de janeiro, o novo presidente estará sendo empossado. Em um processo eleitoral em que foram assumidos compromissos com um amplo espectro político, as composições serão a norma.
Mas se há alguma certeza é a de que há compromissos com a democracia, com a prioridade no enfrentamento às das questões sociais e ambientais e com a retomada da participação social.
Dois meses antes havia dúvida sobre todas estas questões. Talvez por isso este período representa algo que transcende a definição de políticas temáticas: a certeza de que o país recuperou a possibilidade de sonhar.
Jorge Abrahão
Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.