Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis
Ao insistir em fazer anualmente a pesquisa que trata de temas fundamentais para as mulheres, o Instituto Cidades Sustentáveis e a Rede Nossa São Paulo revelam dados sobre o machismo prevalente e o desamparo delas em nossa sociedade.
Se a consciência e a confiança cada vez maiores das mulheres estão permitindo que se reduzam as subnotificações relativas a assédio e violência, e assim consigamos ter uma noção mais realista da enorme dimensão da opressão ainda existente em nossa sociedade, salta aos olhos o quanto ainda estamos atrasados na criação de programas e políticas públicas que cuidem e promovam segurança para elas e desencorajem os homens a permanecer nesta escalada machista insana.
É fato que também tivemos avanços nas últimas décadas, inclusive do ponto de vista legal. Assédio é crime, vale sempre lembrar. As campanhas e canais de denúncia estão em todos os lugares. O tema ganha visibilidade e gera debates que promoveram mudanças importantes no comportamento masculino. Mas ainda é pouco, isso é quase nada perto das notícias e cenas de agressão e violência —que, também vale lembrar, na maioria das vezes partem de pessoas conhecidas, dos próprios parceiros, maridos e companheiros.
A pesquisa Viver em São Paulo: Mulheres, que a Rede Nossa São Paulo lançou nesta terça-feira (7), em parceria com o Ipec, mostra alguns recortes importantes dessa realidade assombrosa. O trabalho revelou que sete em cada dez mulheres que vivem na cidade de São Paulo já sofreram com gestos, olhares incômodos, comentários invasivos e outras formas de assédio. Isso representa quase 4 milhões de moradoras, mas tem um significado mais forte. Significa que, certamente, você conhece alguém que passou por esse tipo de situação —se não foi a própria vítima.
Os dados da pesquisa mostram que o transporte coletivo continua sendo o local em que as moradoras de São Paulo se sentem mais inseguras. Quase metade das mulheres diz que já sofreram assédio nos ônibus e no metrô da capital paulista; 32%, no ambiente de trabalho; três em cada dez já foram agarradas, beijadas ou desrespeitadas sem o seu consentimento. Em relação à pesquisa anterior, o transporte particular (táxi, Uber e 99, por exemplo) apresentou o maior aumento nas respostas sobre os locais de assédio: 12% em 2021 e 19% neste último levantamento. Esse é um problema que merece atenção.
No mercado de trabalho, a equiparação de salário entre homens e mulheres é outra luta antiga, ainda muito distante do equilíbrio. Dentro de casa não é diferente. Segundo a pesquisa da Nossa São Paulo, a maioria dos homens diz que lavar a louça é a tarefa doméstica que eles mais realizam. Enquanto se ocupam em ensaboar pratos e panelas, no entanto, as mulheres ficam responsáveis pelo preparo da comida, pela limpeza da casa e pelo cuidado diário dos filhos.
Homens e mulheres têm uma percepção diferente sobre o que fazem ou deixam de fazer em casa. Há um descompasso entre as duas visões, que se manifesta de modo geral e em algumas tarefas específicas. Por exemplo, 30% das mulheres acham que a divisão de atividades é feita de forma igualitária; entre os homens, o percentual é de 44%. Também há uma boa discrepância quando o assunto é limpar a casa. Para 61% das mulheres, essa é uma das tarefas que elas mais realizam, mas apenas 50% dos homens concordam.
Precisamos evoluir muito se quisermos construir relações melhores e mais igualitárias. Hoje, o senso comum é o machismo forjado em séculos de práticas abusivas e discriminatórias, que se perpetuam no pensamento, no comportamento e na cultura do macho alfa.
Quebrar essa lógica levará muito tempo, porque envolve uma mudança de mentalidade em nível individual e coletivo —algo que muitos homens só conseguiriam se nascessem de novo, como mulheres.
Ano a ano assistimos ao aumento do assédio e da violência doméstica. A cada pesquisa, a foto do momento está piorando o filme que conta a história desta realidade. Dada a importância do tema, é inconcebível ainda patinarmos no encaminhamento de ações que rompam com a violência.
Cabe especialmente ao poder público, mas também às empresas, dar prioridade ao assunto e liderar campanhas, programas e políticas públicas que façam da cidade uma referência inspiradora, o que a tornaria símbolo de uma das maiores lutas deste século: a equidade de gênero.