Na Cúpula Pan-Amazônica, as cidades ganharam atenção proporcional à sua importância para a reversão dos problemas enfrentados no bioma. Desmatamento, perda da biodiversidade e exploração econômica ilegal são temas que atravessam os municípios da região.
Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis
Dos 30 milhões de pessoas que vivem na Amazônia, 75% moram em cidades. Há uma relação entre urbanização e desmatamento. O desafio que temos é o de cortar esse ciclo.
Como a urbanização pode contribuir para a preservação e não para a degradação do bioma? A resposta passa pela promoção da melhoria estruturante da qualidade de vida nas cidades, o que exige um olhar integrado para a solução de problemas como pobreza, fome, saúde, educação, violência, equidade de gênero, enfrentamento ao racismo e desmatamento.
O Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades brasileiras (IDSC-BR) 2023, lançado em Belém um dia antes da Cúpula da Amazônia, pode contribuir nesse processo estruturante ao permitir que a sociedade e a gestão pública enxerguem quais os maiores desafios temáticos das cidades e definam prioridades e investimentos.
A degradação do bioma é muito alta e o risco é de estarmos chegando ao ponto de não retorno, quando a capacidade natural de recomposição se esvai e entramos num processo de degradação contínua. Daí a urgência de medidas que interrompam este ciclo perverso no mais curto espaço de tempo possível.
Ao analisar o índice dos 5.570 municípios brasileiros, percebe-se que, dos 10 piores colocados 9 estão na Amazônia Legal. A desigualdade territorial no Brasil fica evidente e aponta para a necessidade da criação de políticas públicas e investimentos maiores nas cidades da região.
No Brasil como um todo, sete em cada dez cidades têm nível de desenvolvimento sustentável baixo ou muito baixo. Estes dados não surpreendem. O que seria de se esperar das cidades em um país que voltou para o mapa da pobreza em 2021, que tem 125 milhões de pessoas com algum grau de insegurança alimentar, que a educação tem patamares muito baixos se comparados à maioria dos países de seu porte e região, que a violência contra a mulher é elevadíssima, que o racismo é problema estrutural, que tem número de homicídios dos mais altos do mundo e que dobrou o desmatamento entre 2019 e 2022.
As cidades são um reflexo deste país que nos últimos quatro anos experimentou um enorme retrocesso em questões sociais, ambientais, de participação social e transparência. O resultado não poderia ser diferente. O que ainda permite criar um cenário esperançoso é que voltou a preocupação com a construção de políticas que enfrentem estes problemas e as cidades podem retomar o avanço na agenda.
No caso da Amazônia, além do compromisso de reduzir a zero o desmatamento, o que é muito importante mas não dá conta das ações que devem ser promovidas, é fundamental a demarcação de terras indígenas e o apoio a quilombolas e à população ribeirinha. Nos diálogos amazônicos, em Belém, ficou claro que os povos da Amazônia rejeitam o desenvolvimento nos padrões atuais. Disseram não à mineração e a novas barragens, que só geraram mais pobreza, desigualdade e degradação -vide a Altamira transformada por Belo Monte, uma das mais violentas cidades do país. Não às atividades ilegais como o garimpo do ouro, à exploração da madeira, da soja e da pecuária em áreas proibidas. E não à exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.
A Amazônia melhorará se suas cidades melhorarem. Somente a promoção de uma vida digna para a maioria da população fará com que se tenha perenidade no processo de combate ao desmatamento e proteção da biodiversidade, pois a necessidade de sobrevivência coloca a preservação como tema secundário para a maioria das pessoas. Para tanto, o apoio do governo federal será central, se quisermos chegar a uma Amazônia livre dos riscos que hoje assombram nós e o mundo.