Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis
Circo, pão, parques, shows, emprego, hospitais e universidades. Em contrapartida, trânsito, poluição, tempo de deslocamento, violência.
São as faces da moeda para a tomada de decisão. Porém, e sempre há um porém, não se trata de um jogo e sim de desejos e necessidades. Se, por um passe de mágica, você pudesse optar: mudaria ou não?
Entra ano e sai ano e seis em cada dez moradores de São Paulo dizem que, se pudessem, mudariam de cidade.
Como assim?
Deixariam a cidade mais rica da América Latina, que oferece oportunidades de trabalho, estudo, conhecimento e cultura?
É que tudo leva a crer que, para a maioria da população, a cidade cobra um custo desproporcional pelo que oferece. O tempo médio gasto no trânsito, por exemplo, é de duas horas e meia todos os dias. A oferta concentrada de serviços, emprego, cultura e lazer nos distritos do centro expandido obriga as pessoas a um grande deslocamento para acessá-los, gerando enorme desperdício de tempo que poderia ser dedicado a relações de afeto, educação, conhecimento ou cuidados. Com isso, perdemos qualidade de vida. O caminho de descentralização da cidade, que resolveria este problema, não avança na proporção de sua importância.
Entra e sai ano e a grande distância que separa a população da política se mantém: quase sete em cada dez pessoas não se recordam em quem votou para vereador na última eleição municipal, a de 2020. É muito pouco tempo para tanto esquecimento. O que isso significa? Desinteresse ou descomprometimento explicam a amnésia coletiva?
Uma pista vem de outro dado da pesquisa de Qualidade de Vida, realizada pelo IPEC para Rede Nossa São Paulo e o Instituto Cidades Sustentáveis, lançada por ocasião do aniversário da cidade. A avaliação da Câmara de Vereadores é ruim e péssima para a metade da população. Somente 9%, aproximadamente um em cada dez moradores da cidade, avaliam como ótima e boa sua atuação. Por que a ação dos representantes da população é tão mal avaliada?
Já a avaliação do prefeito apresentou melhora: eram 9% em 2023 os que achavam a gestão ótima ou boa e agora são 17% – ou seja, quase dobrou. Entretanto, 38% ainda avaliam como ruim ou péssima a administração da cidade.
A consequência direta dessa avaliação negativa da política é que quase sete em cada dez moradores não têm desejo de participar da vida política da cidade. Preferem distância.
A dificuldade da política em dar andamento às prioridades apontadas pela população na pesquisa, como a geração de emprego e a redução das desigualdades, tem a ver com o fato de que há muito tempo a política foi apropriada pelo interesse privado. Vivemos um sequestro da democracia, que paga como resgate a defesa do interesse privado e de determinados grupos, em detrimento do interesse público e comum. Como fazer com que os políticos voltem a defender o interesse público, da maioria, é o desafio que temos pela frente.
Um dado da pesquisa que pode apontar para uma mudança estruturante neste sentido é o que diz que 8% da população tem muita vontade de participar de espaços de decisão política. Este contingente representa aproximadamente um milhão de pessoas na cidade. O que a Câmara e o Prefeito podem fazer com essa informação? Como aproveitar a potência contida nesse desejo de participação? Isso passa por desapego, abertura para o diálogo e escuta e disposição de dividir poder. A participação da sociedade é chave para a construção das mudanças necessárias. Em 2024, teremos eleições municipais – será uma grande oportunidade para apresentar propostas que contemplem temas como esse. O que os candidatos pensam sobre participação social? Quais suas propostas?
Entra e sai eleição e não temos sido capazes de mudar estruturalmente. A mudança necessária vai muito além de buscar ativar a memória dos eleitores e está muito relacionada com a criação de mecanismos que tragam a perspectiva da população para a política.
A alternativa a isso é seguir no entra e sai, sai e entra ou no sai e entra, entra e sai dos anos. Repetindo o que vem sendo repetido.
Fonte: Folha de São Paulo
Foto: wikimedia commons