Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis
(artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 11 de julho de 2024)
O admirável nas eleições na França foi a capacidade de construção, em um curtíssimo espaço de tempo, de uma aliança que privilegiou o interesse comum em detrimento do individual. No segundo turno da eleição, os políticos da esquerda e os liberais deram uma rara lição: os terceiros colocados destas forças políticas abriram mão de suas candidaturas para concentrar votos nos candidatos com maior chance de derrotar a extrema direita. Além disso, o comparecimento às urnas foi recorde. Deu certo.
Superado o risco de vitória da extrema direita, surge outro desafio: criar um programa que esteja à altura do momento na França antes de definir quem assumirá o cargo de primeiro-ministro. Isto porque, se continuar a lógica de disputa de poder entre os partidos de esquerda e do centro, será muito provável que a extrema direita chegue ao poder nas eleições presidenciais de 2027. É importante ter em mente que, embora tenha perdido as eleições, ela conquistou 60% a mais de cadeiras do que tinha até então – de 88 foi para 143.
Por isso Marie Le Pen declarou que a vitória foi adiada. Seu partido vem crescendo nos pleitos e efetivamente pode chegar ao poder. Daí a importância do resultado das eleições deste domingo. Parece que os democratas buscaram a vitória no limite de suas forças, mas, se não mudarem a lógica de construção política, as previsões de Le Pen podem se tornar realidade.
O momento exige grandeza. É tempo da grande política, a que coloca o interesse público à frente do interesse privado, a que atua na efetiva melhoria da qualidade de vida das pessoas: saúde e educação pública de qualidade (pública porque é o que a maioria pode acessar); oportunidade de trabalho e renda para uma vida digna; custo de vida controlado para que tenham seu poder de compra mantido e possam acessar produtos que atendam suas necessidades básicas; segurança para que tenham paz no seu dia a dia.
Os eleitores deixaram claro que não querem discriminação e preconceito contra pessoas de outras raças, etnias e nacionalidades, e que acreditam no projeto da União Europeia. Sem dúvida, é uma esperança que deve ser tratada como uma oportunidade, para provar que a democracia é capaz de construir as melhores condições de vida. O que exigirá humildade dos políticos, prioridade para as necessidades da população, sensibilidade para os problemas socioambientais, respeito a todos que moram no país.
Já na Inglaterra, o admirável foi a esmagadora vitória dos trabalhistas sobre os conservadores, que estavam há catorze anos no poder. Lá, a combinação de políticas de austeridade, isolacionismo, xenofobia e enxugamento dos serviços públicos, praticadas pelo partido conservador, levou a uma queda na qualidade de vida e à falta de perspectiva para a população.
A resposta eleitoral foi contundente: saiam do poder! O resultado evidencia que as estratégias neoliberais estão datadas e não conseguem dar conta dos desafios atuais. Iludiram muitos com temas moralistas e de curto prazo, com soluções fáceis para problemas complexos, mas pela falta de sensibilidade e escuta da sociedade não se sustentam no tempo.
Para chegar ou se manter no poder, a extrema direita necessita criar notícias falsas, turbinadas ou não pela inteligência artificial, e não admite qualquer tipo de regulação que iniba mentiras. Por isso, conscientes da insustentabilidade de seus projetos no médio e longo prazos, governantes autoritários em países presidencialistas, como os EUA e o Brasil, tentaram golpes para permanecerem no poder.
No Brasil, portanto, os desafios passam pela necessidade de aliança dos que defendem a democracia e a necessidade da definição de programas que contemplem o longo prazo e gerem perspectivas para a sociedade. Mais do que projetos individuais, o que está em jogo é algo maior, algo que passa pela necessidade de governos que criem políticas que estimulem a redução das desigualdades, o enfrentamento da mudança climática e aumentem a efetiva participação da sociedade na tomada de decisões.
Embora não seja tão evidente, o embate nas eleições municipais deste ano será muito parecido com o que acabamos de assistir na Europa: a disputa entre projetos da extrema direita e de democratas. Só nos resta estar muito atentos aos programas e propostas das(os) candidatas(os) ao legislativo e executivo e ao histórico dos políticos que os estão apoiando. Agindo assim poderemos eleger, como a França e a Inglaterra elegeram, candidatas(os) comprometidas(os) com a democracia e evitar a vitória de políticos do atraso que, se eleitos, provocarão retrocessos no país.
As lições que vieram da Europa foram as de dizer não à extrema direita na França e, na Inglaterra, às políticas de austeridade que prejudicam a maioria da população.