Por Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis (artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 28 de agosto de 2024)
Muitos de nós, na vida pessoal, já reagimos a uma situação adversa com força desproporcional, atingindo gente querida, amigos ou colegas de trabalho. Neste caso, o impacto se restringe a nosso núcleo mais próximo, o que nos dá a oportunidade de rever comportamentos, aprender e pedir desculpas.
Já na vida em sociedade, os danos são de outra ordem e passam mensagens para um grande número de pessoas.
Por isso, é necessário que as respostas sejam rápidas e contundentes. Caso contrário, colocamos em risco a base de valores da sociedade e, então, flertamos com o caos. Embora muitos defendam que já estamos nele.
No caso das eleições municipais de São Paulo, ao permitir que Pablo Marçal faça ataques misóginos, acuse sem provas e xingue seus oponentes, as redes que promovem os debates- e seus mediadores mostram-se coniventes com este comportamento. Marçal deveria ter sido advertido e, na reincidência, excluído do debate. Em São Luiz, Maranhão, o candidato à reeleição, irritado com uma pergunta de seu opositor, simplesmente desferiu-lhe uma cabeçada, ao vivo. Deveria ter recebido o cartão vermelho na hora, sem apelação. Nos dois casos, a exclusão seria um exemplo de conduta e mostraria que há limites civilizados para as discussões. Seria também uma mensagem para reduzir a violência política entre grupos e amigos: há limites de respeito e de convivência que estão acima de nossas diferenças políticas.
O pedido de resposta não dá conta das baixarias perpetradas por candidatos oporturnistas. Nestes casos, o infrator é beneficiado porque utiliza-se de recortes de suas falas para vendê-las como verdade nas redes sociais. Cenas deprimentes como estas afastam as pessoas da política. E quanto mais as pessoas se desinteressam pela política, maior é o terreno fértil para oportunistas que se utilizam da democracia como trampolim para a defesa de projetos pessoais e dos grupos econômicos que defendem. Nestes episódios, chama a atenção a falta de resposta dos mediadores ao comportamento violento dos candidatos. Não há pico de audiência que justifique esta leniência, pois algo maior está em jogo: a valorização da política e a defesa da democracia.
No campo da tecnologia, o poder das Big Techs estão redesenhando o mundo. A seu bel prazer. Ou dos cinco homens poderosos que as dirigem. O que pensam da vida? Qual a sua visão de mundo? Quais seus objetivos? Na realidade, defendem seus interesses imediatos. E que se dane o impacto negativo que produzem na sociedade. Elon Musk os personifica. Neste caso, a força desproporcional está em utilizarem-se de suas empresas para moldar e manipular a mente de bilhões de pessoas, fortalecendo projetos políticos que defendem seus interesses. É urgente que a sociedade encontre maneiras de responder a esta insanidade que tem profundo impacto na vida de todos nós. Até agora a resposta das instituições de governo é desproporcional, lenta e acovardada. Enquanto ela não vem, a velocidade de deterioração social avança em proporções jamais imaginadas e os riscos para a democracia aumentam exponencialmente.
Embora de outra natureza, a mesma lógica se repete nas guerras, o que só as estimula. Nestes últimos dias soubemos dos ataques de Israel ao sul do Líbano. A narrativa utilizada para justificar o ataque é a de terem detectado uma ameaça no país vizinho. Que credibilidade tem um governo diretamente envolvido – no caso o governo de Israel- para convencer a sociedade de suas decisões? A mesma que Maduro tem para declarar-se vitorioso sem mostrar as atas das urnas. No caso do ataque de Israel, o que está em jogo é a paz no mundo. Imaginem se a moda pega e o argumento de sentir-se ameaçado justifique a invasão e bombardeio de um país por outro. Aqui, o uso de força desproporcional – como vem ocorrendo em Gaza há meses- não teve resposta à altura de países e instituições que poderiam evitar estes abusos ou pelo menos inibi-los.
O comportamento conivente de governos e atores sociais frente ao uso de força desproporcional tem causado mais dano do que benefício para a sociedade. A saída não está em ações autoritárias, mas em respostas rápidas e proporcionais aos potenciais danos causados por seus responsáveis.
No Brasil, temos um desafio nas eleições municipais deste ano. Que terá impacto na eleição de 2026 e dos anos subsequentes. Está em jogo o aprimoramento da democracia, que será sempre imperfeita, mas que precisamos preservar e continuamente melhorar. Para tanto é necessário darmos respostas proporcionais, rápidas e contundentes que preservem a democracia e valores caros a todos nós.