Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis (artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 08 de outubro de 2024)
A democracia está sob ataque no Brasil e em outros países do mundo. Tentar entender e pensar como responder a estes processos é central para seu aprimoramento.
A cada eleição é impressionante a capacidade de renovação das estratégias dos conservadores para manterem-se no poder e utilizá-lo na defesa dos interesses de grupos privados que os apoiam. Tentam se utilizar da democracia para alavancar projetos autoritários e, logo a seguir, promover retrocessos. Quem perde é a própria democracia que, sequestrada por esta combinação de interesses, passa a mensagem de ser incapaz de atender as necessidades da grande maioria da população, relacionadas ao acesso a serviços públicos de qualidade como educação, saúde, segurança, mobilidade e resiliência climática, entre outros.
Nesta última eleição repetiu-se novamente a vitória dos grupos de centro direita e direita, com os primeiros cinco partidos deste campo elegendo dois em cada três prefeitos. Há muitas explicações para este resultado e é importante refletir sobre alguns fatores que podem influenciar o futuro da democracia.
As emendas parlamentares, por exemplo, tiveram papel central. Enquanto não mudarmos essa excrescência que altera o papel do congresso nacional, transformando-o em investidor de recursos em suas bases eleitorais, manteremos um ciclo perverso que reelegerá, não pela capacidade de pensar o país, mas a de investir em seus rincões e garantir com isso a eleição de seus apadrinhados. Não é por outro motivo que tanto os eleitos para o executivo quanto para as câmaras de vereadores espelham o poder dos deputados federais que comandam o destino dos recursos das emendas parlamentares. A retomada de uma democracia que debata o país, mais além dos interesses imediatos de grupos políticos locais, passa por uma mudança em relação as emendas parlamentares.
Outro ponto de atenção é para uma nova forma de utilização das redes sociais. A arregimentação de um exército de influenciadores remunerados para fazer e impulsionar recortes gera um desequilíbrio econômico entre os candidatos, favorecendo quem tem mais recursos. Além disso, a recorrente perpetuação de desinformação e mentiras ainda não teve a resposta à altura dos danos que provoca. Na democracia, o mal não pode compensar, como vem compensando, sob risco de desmoralização das instituições.
Por fim, é de alarmar a falta de resposta das instituições, especialmente os tribunais regionais eleitorais, às campanhas baseadas em violência e mentiras, banalizando a política. Tal omissão só estimula a repetição destas experiências. É fundamental que a justiça eleitoral repense sua dinâmica em tempos de redes digitais. É necessário que sejam dadas respostas rápidas para evitar danos em escala e o estímulo a candidaturas que se valham de expedientes sorrateiros, como a experiência que vivemos em São Paulo com Pablo Marçal e que pode estimular outros aventureiros na eleição de 2026.
As democracias demoram para amadurecer e se consolidar, mas já estamos há quarenta anos nesta estrada e é chegado o momento de darmos um salto de qualidade, sob risco de retrocessos. Para tanto é importante a permanência da forte atuação da sociedade civil brasileira, do avanço da qualidade da educação para a formação de cidadãos críticos, da retomada do papel do legislativo e a criação de limites para a desinformação e utilização das redes sociais como instrumentos de manipulação, para que possamos eleger políticos que estejam à altura dos desafios que vivemos.