Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis (artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 18 de outubro de 2024)
Oito em cada dez pessoas não querem participar da vida política no país. É o que diz a pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis sobre Democracia, realizada pelo IPEC e lançada nesta quinta-feira (18). Aumento de quatro pontos em relação a 2022. Quando pensamos que nossa qualidade de vida coletiva depende da política, este afastamento cada vez maior não contribui para a melhoria das condições da população brasileira.
Quanto às prioridades para os políticos, a qualidade da saúde foi o tema mais lembrado, com dois terços das citações, seguida por qualidade da educação, geração de empregos, redução da violência e das desigualdades sociais. A pesquisa é um cardápio para os futuros prefeitos. O problema é que estas demandas têm se repetido no tempo, o que denota uma incapacidade dos políticos de efetivamente encaminharem soluções que proporcionem à população acesso a serviços públicos de qualidade.
Em se tratando da memória, 70% das pessoas não se lembram em quem votaram para deputado e senador na última eleição de 2022. Sete em cada dez! O número evidencia a falta de acompanhamento da população que, depois de votar, se afasta. Outro tema a ser enfrentado. Quem é o responsável por este afastamento? Os políticos não têm se esforçado em abrir espaços de participação e diálogo. E a redução da democracia ao ato de votar não dá conta das expectativas que alimentamos para a melhoria da qualidade de vida nas cidades e no país.
No que diz respeito à confiança nas instituições, as respostas mostram que a descrença está instalada na sociedade. A presidência da república tem a confiança de 35% da população; deputados federais, senadores e ministros do STF, de somente 20%. Fica evidente que o sentimento geral extrapola a frustração e a insatisfação; ele envolve aversão, desprezo e repulsa. Daí a importância de mudar o modo de atuação da política e a necessidade de retorno concreto para a população, que se mostra carente de atenção.
A incapacidade da política de proporcionar acesso a serviços públicos de qualidade também alimenta o ciclo de desinteresse na participação política, que se reflete na falta de lembrança em quem votou nas últimas eleições e que leva à desconfiança nas instituições e seus representantes. A valorização da democracia, chave para enfrentar os desafios de redução das desigualdades sociais e do enfrentamento às mudanças climáticas, depende de nossa capacidade de romper este ciclo vicioso. Como vimos nos últimos anos, o distanciamento da política estimulará o surgimento de candidatos aventureiros, violentos e oportunistas, garantindo a consolidação desta espiral insana.
Resta aos políticos estimular a participação da população com a abertura de espaços, não apenas formais, mas com atribuições de debater e elaborar propostas que sejam consideradas nas tomadas de decisão. A criação de um novo momento de aproximação está nas mãos dos políticos, mas também dos cidadãos e cidadãs que não podem abrir mão da participação e do contínuo controle da política. Só assim será possível enfrentar os desafios que temos pela frente.
Foto: Paulo Pinto/Agencia Brasil