Por Mara Gama, da Folha de S. Paulo
A falta de uma visão sobre agricultura urbana e de sua importância para a segurança alimentar é o aspecto mais negativo do plano de gestão da Prefeitura de São Paulo. Uma meta muito baixa de plantio de árvores é outra falha do programa de governo para a área ambiental. O programa de metas municipal foi apresentado no fim de março.
É consenso que a expansão da cobertura vegetal urbana é fundamental em cidades poluídas como São Paulo. Para caminhar nessa direção, é preciso aumentar substancialmente o plantio de árvores nas ruas, pulverizar pequenos parques e praças, proteger e ampliar espaços em que ainda existam áreas verdes e garantir a fixação de unidades de agricultura familiar nos limites urbanos. Aumentar a área plantada é também um dos mecanismos para a retenção de umidade e ao mesmo tempo o combate a enchentes e inundações.
Essa cartilha básica vem sendo defendida por ambientalistas e urbanistas que discutem a evolução e a resiliência das megacidades contemporâneas.
As novas metas para São Paulo não contemplam essa expansão. O plano foi analisado por pesquisadores e ativistas ligados aos grupos Cidade dos Sonhos, Minha Sampa e Rede Nossa São Paulo, que consolidaram críticas e sugestões em documentos que foram enviados à prefeitura.
Os mesmos pontos foram defendidos em audiências públicas realizadas na semana passada sobre o plano. Elenco aqui alguns tópicos importantes, como já fiz na semana passada sobre a área de resíduos sólidos.
"A zona rural compreende 1/4 da área total do município, protegendo os mananciais e os remanescentes de Mata Atlântica, contendo o crescimento da cidade em direção às áreas de proteção", diz o texto. A análise sublinha o fato de que parte considerável dos alimentos consumidos na cidade são provenientes da agricultura praticada na área urbana, daí a relevância do tema.
São Paulo foi signatário de uma carta de compromisso internacional, firmada em 2015, sobre política de alimentação urbana, o Pacto de Milão. E a cidade é do comitê de monitoramento do pacto. Entre os compromissos estabelecidos, estão o de desenvolver sistemas alimentares que sejam inclusivos, seguros e marcados pela diversidade, que providenciem alimentação economicamente acessível e saudável a todas as pessoas, "numa abordagem que minimize o desperdício e conserve a biodiversidade, permitindo a adaptação e a mitigação dos impactos das alterações climáticas".
Outro ponto importante do Pacto de Milão é a disposição de construir política participativa sobre segurança alimentar: "Envolveremos todos os setores do sistema alimentar na formulação, implementação e avaliação de todas as políticas, programas e iniciativas relacionadas com a alimentação".
Não há menção a essas diretrizes no plano apresentado para os próximos quatro anos em São Paulo.
"A alimentação deveria estar no centro das políticas públicas de equilíbrio ambiental e o foco deveria ser a produção da própria cidade", argumenta Andre Luzzi, que faz parte da ONG Ação da Cidadania e participou da elaboração do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, aprovado em junho de 2016.
"O plano aprovado em 2016 deveria ser orientador dos novos programas da prefeitura", diz Luzzi. Ele teme que os programas que foram iniciados e que não foram contemplados nas metas, como o de alimentação escolar orgânica, definhem na atual gestão.
Poucas árvores
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), as cidades deveriam ter 15 m2 de cobertura vegetal por habitante. Em algumas regiões de São Paulo, a cobertura não chega a 1 m2/habitante. Entre os problemas dessa falta de verde estão aumento da poluição e da temperatura no espaço urbano e a dificuldade de manter umidade e de controlar enchentes.
Segundo o relatório do grupo Cidade dos Sonhos, é preciso não apenas preservar e recuperar as áreas verdes disponíveis, mas ampliai-las. "O plantio isolado de alguns poucos milhares de árvores não surtirá efeito para alterar a situação preocupante em que a cidade se encontra hoje".
O documento também compara a meta de plantio de 200 mil árvores da prefeitura atual com o plantio noticiado pela gestão de Gilberto Kassab, que, entre 2006 e 2012, afirma ter plantado 1,5 milhão de árvores. Por essa conta, Kassab plantou setes vezes mais que o plano atual se propõe a plantar, além de ter criado 24 parques lineares e aumentado de 34 para 100 o total de parques na cidade.
"A cidade tem cerca de 650 mil árvores na rua. Aumentar 200 mil, como diz a meta, proveria, em 5 anos, um aumento de cobertura vegetal de apenas 1 m2por habitante", calcula Thais Mauad. Professora da Faculdade de Medicina da USP. Mauad considera que o benefício ambiental da meta proposta agora é muito pequeno.
"Além disso, há uma referência ao plantio de 175 mil mudas em linhas de transmissão de energia, os chamados linhões. Mas, nesses locais, não pode haver árvores grandes. Ali, o ideal é instalar hortas urbanas", diz.
"São Paulo precisa de mais árvores na rua", completa. O documento elaborado pelas ONGs propõe também criar uma política municipal de revitalização e proteção de nascentes, córregos, rios e demais cursos de água.
Análise publicada no portal do jornal Folha de S. Paulo